A novidade real no Congresso, neste período que antecede a reabertura do Legislativo, chama-se Eduardo Cunha, o deputado do PMDB do Rio de Janeiro que decidiu sair das sombras e partilhar o centro do palco da Câmara dos Deputados. Até agora, ele leva vantagem na disputa para liderar a bancada pemedebista, apesar da contrariedade manifesta de um ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e da atual presidente, Dilma Rousseff.
Os candidatos aos principais cargos do Congresso intensificam, a partir de agora, suas campanhas junto aos companheiros. O deputado Henrique Alves, candidato a presidente da Câmara, planeja viajar a pelo menos 12 Estados, durante o recesso. O senador Renan Calheiros, candidato à sucessão de José Sarney, nas palavras de um aliado pemedebista, só pretende dizer que é candidato depois que tomar posse no cargo.
Trata-se de uma ironia, é claro. Quanto mais despercebido passar até o início de fevereiro, melhor para a candidatura de Renan a presidente do Senado, cargo que já ocupou duas vezes e a que teve que renunciar em 2007, na esteira das denúncias segundo as quais tinha despesas pessoais pagas por uma empreiteira. Renan costurou em silêncio e com paciência a maioria para sua volta em fevereiro. O que o senador alagoano menos precisa, agora, é que o passado volte para assombrar sua candidatura.
A "durona" Dilma cede tudo na eleição do Congresso
Dilma Rousseff bem que tentou demovê-lo do projeto. Argumentou justamente que sua exposição poderia provocar uma nova onda de denúncias. Sugeriu até que poderia apoiar sua candidatura a governador de Alagoas, em 2014. Renan pensou no assunto, mas é candidato mesmo a presidente do Senado. Quase clandestino, mas é. Dilma, aparentemente, lavou as mãos, sobretudo depois que Lula lhe ressaltou a importância do PMDB para os momentos mais difíceis para o governo no Congresso. Mesmo que o preço a pagar, às vezes, não seja baixo.
De qualquer forma, parece ter se cristalizado neste governo - como já ocorrera em governos anteriores - a ideia, cínica, de que por mais alta que seja a fatura do varejo congressista, ela em geral é bem menor que outros rombos que de vez em quando caem no colo do governo, tipo as quebras dos bancos PanAmericano e BVA, só para ficar em dois exemplos.
O substituto de Renan na função de líder do PMDB deve ser o senador Eunício Oliveira (CE). Ele em geral faz de conta que não integra o grupo formado por Renan, Sarney e o até agora discretíssimo Jader Barbalho (PA). A nova formatação do Senado deve ter repercussão na definição do líder do governo na Casa - um nome que não precisa ser afinado, mas também não hostil aos dois novos comandantes. O mesmo serve para a Câmara dos Deputados.
A se confirmar a configuração prevista, o líder do governo deve ser alguém que conheça a linguagem de Henrique Alves e de Eduardo Cunha. É uma dupla do barulho, mas será injusto atribuir apenas aos dois as dificuldades que o governo terá este ano, no Congresso, seguramente maiores que as de 2012. O Congresso nas mãos do PMDB será um Congresso sempre bem mais atento ao que acontece do outro lado da rua, no terceiro andar do Palácio do Planalto. O estresse será maior.
O que impressiona na disputa da Câmara é o poder de fogo demonstrado por Eduardo Cunha. O deputado do Rio sempre esteve articulado com Michel Temer e Henrique Alves, atual candidato a presidir a Câmara. Ele sempre foi beneficiado com designações para relatar projetos importantes e estabeleceu um feudo em Furnas Centrais Elétricas. Quando assumiu, Dilma resolveu implodir o esquema de Cunha no setor. O deputados não se preocupou com bons modos ao reagir.
Alves também costuma bater abaixo da linha da cintura e nem sempre se dá bem. Ele desafiou Dilma a demitir um afilhado político seu da presidência do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). Ela demitiu, Henrique ensaiou se insubordinar, mas foi contido pelo vice-presidente Michel Temer e outros ministros do PMDB. A dupla enfim compreendeu o que Sarney e Renan logo perceberam após a troca de comando no Planalto: Dilma era bem diferente de Lula e não gostava de ser desafiada. A presidente tinha uma imagem de gestora durona para administrar.
Além de o governo considerar o PMDB importante para a governabilidade, um outro argumento levou ou leva Dilma a aceitar a nova configuração do Congresso: "acordos são para ser cumpridos", como passou a se afirmar no PT, e o partido tem um acerto com o PMDB, de papel passado, de rodízio na presidência da Câmara (por tradição, é o partido com a maior bancada de deputados quem indica o presidente da Mesa; atualmente, é o PT (com 87). O segundo, PMDB (78).
Mas não foram só Dilma e Lula os atropelados por Eduardo Cunha. O vice Temer e Alves, sabendo que o ex-presidente e a presidente prefeririam outro desenho, também tentaram remover a candidatura do aliado. Depois de assegurar Henrique Alves na presidência da Câmara, o grupo quer manter Michel Temer como candidato a vice na chapa de Dilma Rousseff à reeleição. Foram surpreendidos com a reação do deputado. Segundo um pemedebista do primeiro time, Eduardo Cunha teria respondido mais ou menos nos seguintes termos: "Não quero mais ser sombra". Não se falou mais em veto ou desistência de Cunha.
Michel Temer e Henrique Alves pouco ou quase nada tinham a fazer. Economista, 54 anos, desde que chegou à Câmara dos Deputados, em 2003, o deputado foi um parceiro importante dos dois dirigentes em articulações decisivas.
Mais recentemente, ajudou nos bastidores a dar alguma substância à candidatura do deputado Gabriel Chalita, afilhado político de Temer, a prefeito de São Paulo. Às críticas do PT, aliados de Cunha respondem que nenhum deputado, cujo líder teve o assessor flagrado pela Polícia Federal com um punhado de dólares na cueca, tem moral para criticá-lo.
Fonte: Valor Econômico
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