O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou ontem que a decisão do Senado que livrou a ex-presidente Dilma da proibição de ocupar cargos públicos é o que o deputado Eduardo Cunha “sempre quis”. Maia encomendou análise técnica, mas, para ele, o fatiamento do julgamento da petista pode ser repetido na votação de cassação de Cunha. Dez ações questionam a decisão do Senado, sendo uma assinada pelo PMDB do presidente Michel Temer. Na China, Temer minimizou a polêmica, que chamou de “pequenos embaraços”. Mas ela pode ter impacto: o ex-senador Delcídio Amaral, cassado, recorreu para ter o direito de se candidatar.
‘O que Cunha sempre quis’
• Rodrigo Maia diz que fatiamento do julgamento de Dilma no Senado pode beneficiar deputado
Catarina Alencastro, Letícia Fernandes e Bernardo Mello - O Globo
BRASÍLIA - A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, de fatiar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, além de gerar questionamentos jurídicos da base aliada do presidente Michel Temer, abriu um flanco que pode beneficiar parlamentares investigados na Operação Lavajato. O presidente da Câmara e interino da República, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ontem ao GLOBO que, ao abrir a possibilidade de Dilma ser cassada e, mesmo assim, manter seus direitos políticos, Lewandowski fez o que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) “sempre quis”.
Maia, que está no exercício do cargo de presidente da República enquanto Temer viaja para a China, afirmou que vai analisar na segundafeira com a assessoria jurídica da Câmara qual é o impacto que a decisão do presidente do STF terá sobre o caso Cunha. A votação sobre a cassação do deputado está marcada para o próximo dia 12, no plenário da Câmara.
— Não li a decisão do Lewandowski, sei que ele vocalizou na linha do que o Cunha sempre quis. Estamos analisando juridicamente se há impacto da decisão tomada no caso Dilma sobre o Eduardo Cunha — afirmou Maia, ressaltando que só quer voltar a falar desse assunto no dia 7, quando deixa de ser presidente: — Estou de férias desse assunto.
Ontem também, a ex-presidente Dilma refutou a tese de que sua absolvição na votação sobre a elegibilidade para cargos públicos possa beneficiar Eduardo Cunha. Em entrevista a agências de notícia internacionais, Dilma afirmou que todos sabem que parlamentares não são julgados com base na Lei do Impeachment.
— Me desculpem, mas até as emas do Alvorada sabem que para mim e para ministros do STF a lei é uma, e para deputados e senadores é outra — afirmou, negando qualquer brecha legal que possa salvar o ex-presidente da Câmara: —Não, não mesmo, essa não!
Deputado ainda não foi notificado
Segundo Dilma, as mesmas emas do Alvorada, “muito fofoqueiras”, já comentam que a votação da cassação do mandato de Cunha pode ser adiada para novembro, como querem aliados do peemedebista.
— Essas emas são fofoqueiras, porque todas estão dizendo que a votação será em novembro — rebateu, quando José Eduardo Cardozo tentou corrigi-la ao dizer que a votação será em setembro, não em novembro.
Maia, no entanto, garante que, no que depender dele, não há chance de a votação de Cunha ficar para outro dia. O presidente da Câmara entende que não há interdependência entre a análise que o Supremo fará das ações que questioMarina nam o fatiamento do impeachment de Dilma e a votação da cassação do deputado que deu início ao processo que culminou no impedimento da petista. E afirma que não irá aguardar um posicionamento dos ministros da Suprema Corte sobre esse assunto para, só então, dar seguimento ao processo de Cunha:
— De minha parte, chance zero de não ser votada a cassação de Cunha no dia 12. Só se não der 200 deputados, se não tiver quórum.
A Câmara fez ontem a primeira tentativa de notificar Eduardo Cunha no apartamento funcional em Brasília sobre a votação do processo dele em plenário, no dia 12 de setembro. Serão feitas ainda duas tentativas em Brasília e três no endereço dele no Rio. Se ele não for encontrado depois da terceira tentativa, será notificado por meio de publicação no Diário Oficial da União.
Até ontem já haviam sido impetrados no STF dez mandados de segurança contra o fatiamento do processo de impeachment de Dilma. Essas ações serão relatadas pela ministra Rosa Weber.
A questão é controversa. No entendimento de juristas do Senado, a decisão de fatiar a votação da expresidente não abre precedente no caso de Eduardo Cunha. Segundo eles, o processo contra Dilma é de impeachment e trata de crime de responsabilidade, enquanto o de Cunha é por quebra de decoro parlamentar. Um dos juristas sustenta que o crime de responsabilidade “prevê expressamente a pena de inabilitação”. No caso da quebra de decoro, a pena é a perda do mandato, que tem como consequência a inelegibilidade.
— Uma coisa é ficar inelegível e a outra, inabilitado. Sendo cassado o mandato parlamentar, se aplica a Lei da Ficha Limpa — afirmou o jurista.
Ontem no Rio, a ex-senadora Marina Silva confirmou que seu partido, a Rede Sustentabilidade, entrará como parte interessada na ação que pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular o fatiamento do julgamento do impeachment, protocolada na quinta-feira pelo senador Alvaro Dias (PV-PR). classificou como “atitude casuística” a decisão do Senado de dividir o parecer final:
— É óbvio que houve um acordo, e o PMDB concordou com isso não porque estava preocupado se a Dilma poderia se eleger ou não. Eles estavam preocupados em criar uma jurisprudência para o Eduardo Cunha.
Esfera jurídica x questão política
Temporariamente afastado do exercício das funções de presidente da Câmara até o dia 6 de setembro, quando o presidente Michel Temer retorna de viagem à China, Rodrigo Maia defende que a judicialização do impeachment de Dilma e da manutenção de seus direitos políticos se restrinja à esfera jurídica.
— Agora a política vai tratar da política. Dilma já passou. Deixa ela para lá. O Congresso tem que olhar para frente. Deixa o Judiciário tratar disso — afirmou.
Colaborou Isabel Braga
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