sábado, 3 de setembro de 2016

Pacote precipitado – Editorial / Folha de S. Paulo

Será terrível para o país se, passado o clímax do impeachment de Dilma Rousseff (PT), vier a diminuir a preocupação com outra bandeira, mais agitada nos últimos anos: a do combate à corrupção.

Eis aí, no entanto, uma possibilidade real —e a classe política tentará aproveitar esse período de distração para investir com todas as forças contra a Lava Jato.

Talvez antevendo essa retração anticlimática, ou apenas procurando se valer do impulso das manifestações, o Ministério Público Federal fez chegar ao Congresso, em março, um projeto de lei com várias medidas que almejam facilitar a investigação criminal e elevar a eficácia do Poder Judiciário.


Resultado concreto de campanha iniciada há dois anos por integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o projeto reúne o pacote conhecido como "dez medidas contra a corrupção" e conta com o respaldo de mais de 2 milhões de assinaturas.

Espera-se que tamanho apoio popular seja suficiente para pressionar congressistas a dedicar a devida atenção ao assunto. Mas não se deve imaginar que o número expressivo de signatários torne a proposta imune a reparos.

Seria surpresa, aliás, se o pacote estivesse livre de defeitos. A proposta agrega 20 anteprojetos, que se traduziram num total de 67 artigos que provocam mais de uma centena de inovações ou alterações normativas, muitas das quais afetariam todo o direito penal.

Quantos entre os mais de 2 milhões leram todos os dispositivos? Quantos sabem o que o MPF quer quando defende "ampliar preclusões de alegações de nulidades"?

Há no conjunto de iniciativas legislativas algumas sugestões oportunas para a lenta Justiça brasileira, como a fixação de prazo para o pedido de vista (impedindo que um magistrado engavete processos) ou a racionalização dos recursos aos tribunais superiores.

Também há, todavia, medidas abusivas, que restringem o direito de defesa ou abrem brechas para o arbítrio e a opressão estatal, pelo fortalecimento desmedido dos órgãos de investigação e acusação.

Vale lembrar, ademais, que em 2012 e 2013 foram aprovadas a Lei Anticorrupção e a Lei das Organizações Criminosas, além de importantes mudanças em relação à lavagem de dinheiro. Decisivos para o sucesso da Lava Jato, esses diplomas ainda estão se acomodando no arcabouço normativo brasileiro.

Novas modificações deveriam vir num ritmo incremental, a fim de evitar graves prejuízos à cidadania. Seria fácil adotar atitude populista diante desse pacote e apoiá-lo sem restrições. O combate à corrupção, contudo, não pode evoluir à custa das garantias individuais.

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