- O Globo
Diante da judicialização do impeachment da ex-presidente Dilma, é inevitável que o STF entre na questão, até mesmo para dizer que não cabe a ele decidir. A excêntrica decisão do Senado, separando a cassação do mandato presidencial da inabilitação para funções públicas, além de provocar incongruências tão graves quanto Dilma poder exercer qualquer cargo no país, menos o de presidente da República, tem ainda um fator político que terá desdobramentos graves.
Já não é possível garantir que o governo Temer tem uma base parlamentar sólida, pois a desconfiança de que o presidente concordou com a solução já não pode mais ser afastada. Tudo parece levar a uma solução de compromisso muito própria do PMDB, que não tem limitações quando se trata de acordo político nos bastidores.
Se houve um consenso entre as lideranças peemedebistas para fazer um gesto que ajudasse tanto o PT quanto seus líderes políticos atingidos pela Operação Lava-Jato, como o próprio Renan Calheiros e Eduardo Cunha, faltou lembrar que a permanência dos direitos políticos de Dilma pode obrigar a que o processo contra a chapa DilmaTemer prossiga no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Caso Dilma tivesse sido punida integralmente, ficaria mais simples propor o fim do processo por perda do objeto, o que ainda pode ocorrer, por sinal.
Não é possível a esta altura afirmar qual será o caminho que a maioria do STF tomará, mas há algumas tendências que devem ser observadas. Parece improvável, embora essa possibilidade exista, que uma eventual decisão implique a anulação da sessão do Senado que levou ao impeachment e à solução heterodoxa de fatiar a sentença, permitindo que a ex-presidente preserve seus direitos político.
Este é o temor dos partidos da base de apoio de Temer que, no entanto, tiveram que entrar com ações no Supremo porque o PT pediu naquela Corte a anulação da sessão, e há outras várias ações, de associações ou pessoais, em diversos sentidos, a favor ou contra a decisão do Senado.
Se o STF decidir que cabe a ele dirimir as dúvidas, poderá fazê-lo tratando apenas da separação dos termos do texto do artigo 52 da Constituição, mas também poderá entrar no mérito, o que sempre evitou. Não parece provável, porém, que o Supremo decida agora debater o mérito do impeachment.
O ministro Luiz Fux já deu uma declaração em tese que define bem esse impasse: “Eu acho que, em princípio, nós, juízes, deferimos ao parlamento a solução de questões políticas. Mas quando essas questões políticas são decididas com violação dos princípios inerentes ao estado democrático de direito, é sindicável ao Supremo a apreciação dessas infrações", disse Fux.
Para todas as evidências, o que aconteceu na sessão de impeachment do Senado foi uma violação constitucional, e há muitos juristas que consideram que a decisão de fatiar o julgamento é simplesmente nula, podendo ser contestada a qualquer momento, não gerando efeitos, portanto. Mas, como comentam ministros do STF, o que é ou não inconstitucional depende de que se defina antes quem dá a última palavra sobre o assunto.
O Supremo é conhecido pela definição de Rui Barbosa de que é quem pode errar por último. Nesse caso, porém, pode ser que se considere que cabia ao Senado essa última palavra, não sendo possível interferência de outra instância. Acima de todas as questões que estão sendo levantadas, pode-se dizer que há um sentimento generalizado no Supremo de não querer interferir demais na questão delicada do impeachment, daí ser mais provável que não avance até a anulação de todo processo, e provavelmente nem mesmo trate das demais questões.
Fazer a roda do tempo retroceder, trazendo de volta Dilma à Presidência da República, elevaria em muito o nível de excentricidade de nossa política nacional, gerando uma insegurança jurídica imensurável. Ao mesmo tempo, devido à decisão bizarra, na definição do ministro do STF Gilmar Mendes, que foi tomada, e suas consequências na vida política brasileira, pode ser que o plenário resolva discutir a validade da decisão, até mesmo para evitar que seus efeitos se espalhem.
O ex-senador Delcídio Amaral, que foi cassado pelo Senado e perdeu, além do mandato, seus direitos políticos, já entrou com uma ação pedindo isonomia de tratamento, e o mesmo fará o deputado Eduardo Cunha.
Por uma coincidência do destino, ele será julgado na Câmara no mesmo dia em que toma posse na presidência do Supremo a ministra Cármem Lúcia, substituindo Lewandowski, e provavelmente será sob sua direção que a Corte decidirá sobre o destino dessas ações. Uma mudança de guarda que deve marcar também mudanças de prioridades do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça
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