Decisões
do STF expõem paradoxos do enfrentamento à corrupção
A Operação Lava
Jato está alcançando o mesmo destino da Operação Mãos Limpas,
que lhe serviu de guia e inspiração. Depois de desestabilizar o sistema
político, contribuindo para a ascensão ao poder de forças antissistema e hostis
à democracia, vem sendo fagocitada por aqueles que a ela sobreviveram ou mesmo
a apoiaram.
Os
graves abusos e erros praticados pelos seus principais atores, mas também a
amplidão dos interesses políticos e econômicos atingidos pela operação, são os
principais responsáveis pelo seu melancólico desfecho, selado pelo
Supremo Tribunal Federal nesta semana.
Causa
evidente perplexidade o fato de o Supremo ter demorado tanto para tomar
decisões aparentemente elementares, seja para decidir se o juiz Moro se
comportou de maneira parcial, seja para determinar se extrapolou a jurisdição
que lhe havia sido esquadrinhada pelo próprio Supremo.
A demora do tribunal em resolver essas questões não apenas impôs enormes danos morais ao ex-presidente Lula e gerou prejuízos irreparáveis ao pleito eleitoral de 2018, como ampliou a insegurança jurídica, política e econômica no Brasil. A extemporaneidade da decisão também imporá uma inevitável queda na confiança das instituições de aplicação da lei.
A
mensagem jurídica do tribunal foi simples e correta: nada pode justificar que
agentes incumbidos de aplicar a lei dela abusem sob o pretexto de combater o
crime. A mensagem política, por sua vez, aponta para uma forma de capitulação
no enfrentamento da corrupção, com consequências duradouras para a nossa já
ambígua relação com a legalidade.
Se
a Lava Jato, em sua origem, teve a virtude de expor as entranhas das relações
entre a classe política e setores do empresariado, também deixou claros os
enormes riscos de se delegar ao sistema de Justiça um papel de agente central
no combate à corrupção.
O
fato é que a corrupção política é um fenômeno multifacetado, com dimensões
econômicas, culturais, políticas e éticas, pelo qual aqueles que detêm o poder
podem dele abusar para obter ganhos privados, em detrimento do interesse
público.
Nesse
sentido, operações anticorrupção de larga escala conduzidas pelo Judiciário
—como a Lava Jato ou a Mãos Limpas— terão sempre enorme dificuldade e enfrentar
um fenômeno tão complexo como a corrupção política. Isso aumenta o risco de que
os agentes da lei abusem de suas prerrogativas legais para superar as suas
próprias limitações.
O
ideal seria que o sistema político desse conta de suas próprias lambanças.
Parece ingênuo supor, no entanto, que os beneficiários de largos esquemas de
corrupção venham a restringir as oportunidades de aumentar o seu próprio poder.
Esse o paradoxo quase intransponível que o crepúsculo da Lava Jato nos
apresenta.
Se
há alguma lição a ser extraída desse processo, é que o sistema de Justiça,
embora indispensável na luta anticorrupção, não pode ser visto como ator
central. Mais do que isso, sua atuação deve estar cercada de controles internos
para que seus agentes não se vejam tentados a abusar de suas prerrogativas,
ainda que sob o pretexto de defender a democracia.
No
entanto, se o sistema de Justiça não dispuser de autonomia e ferramentas
potentes (como a delação premiada), dificilmente estabelecerá os incentivos
necessários para que os donos do poder se engajem em reformas incrementais
voltadas à contenção da corrupção.
A
decisão do Supremo, lamentavelmente, deixou muito claro que estamos longe de
alcançar esse equilíbrio.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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