O
Brasil está entre os países onde a democracia mais se deteriorou nos últimos 10
anos
“A terceira onda de democratização começou, de
maneira implausível e silenciosa, aos 25 minutos depois da meia-noite, na
quinta-feira 25 de abril de 1974, em Lisboa, quando uma emissora de rádio tocou
a canção Grândola Vila Morena.” Assim começa, de forma épica, o livro de Samuel
Huntington que narra um dos momentos mais fascinantes da
história política do século 20 – aquele em que várias ditaduras do Ocidente
entram em modo dominó e dão lugar à forma de governo que iria predominar desde
então: a democracia.
A
primeira vaga de democratização, segundo o cientista político americano, seguiu
o liberalismo do
século 19. A segunda veio depois da derrocada do totalitarismo nazi-fascista. A Terceira
Onda, título do livro citado acima, começou quando o rádio tocou a música-senha
para a sublevação dos quartéis portugueses, e é produto do declínio da Guerra Fria.
Primeiro caíram as ditaduras de direita – incluindo a do Brasil – e depois as
de esquerda, os satélites da União Soviética.
A cada onda aumenta o predomínio das democracias. Em 2017, 50% dos países tinham regimes de liberdade, ante 20% em 1960 e 5% em 1900. Os dados são do V-Dem, a plataforma mais usada nos estudos acadêmicos sobre o assunto. Ela disponibiliza estatísticas desde o fim do século 19 – o que possibilita acompanhar a evolução de todas as democracias do mundo.
Como
o Brasil se comporta? “Até recentemente, estávamos entre os melhores alunos da
terceira onda da redemocratização, com notas cada vez mais altas”, diz o
cientista político Fernando Bizzarro, personagem do minipodcast da semana. Ele
é pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Harvard, e
um os pioneiros do projeto V-Dem. O último relatório da plataforma, no entanto,
mostra que o bom aluno ficou de segunda época. O Brasil está entre os países
onde a democracia mais se deteriorou nos últimos dez anos. Ficamos atrás apenas
de Polônia, Hungria e Turquia – já há alguns anos frequentadoras contumazes da
turma do fundão.
Para
um país ser considerado uma democracia nos dias de hoje não basta ter eleições
livres. São fundamentais, entre outras coisas, liberdade de imprensa, liberdade
acadêmica e um debate público adulto, em que haja respeito, sem desqualificar
quem pensa diferente. A polarização, tema de Bizzarro no minipodcast, destrói a
qualidade do ambiente democrático – área onde a nota do Brasil foi
drasticamente rebaixada. Trata-se de um ponto de atenção: democracias que
escorregaram para o autoritarismo – casos de Turquia e Hungria – começaram
assim.
Neste
domingo Portugal celebra os 47 anos do 25 de abril. Há o que
comemorar. Estudos baseados no V-Dem apontam a democracia portuguesa como uma
das mais sólidas do sul europeu. Outro ranking, da Freedom House, dá a Portugal
notas superiores às de França, Inglaterra e Alemanha. O Brasil tem uma lição de
casa a fazer, e talvez já esteja começando. O debate civilizado entre os
opositores do presidente Jair
Bolsonaro, organizado por alunos de Harvard e transmitido no sábado
17 pela plataforma do Estadão, trouxe alguma esperança.
Uma imagem marca o 25 de abril português: soldados marcham pelo centro de Lisboa com flores no cano de suas espingardas. Vem daí o nome “Revolução dos Cravos”. O símbolo pode inspirar o Brasil. Precisamos de maturidade e inteligência – atributos essenciais das democracias com notas altas – no lugar de brutalidade e armas.
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