A Lei de Segurança Nacional é um entulho autoritário que precisa de revisão urgente. Leis desse tipo deveriam ser usadas apenas em momentos extraordinários, quando o regime é ameaçado, e talvez não seja por acaso que nossa lei de 1983 tem sido bastante usada —por Bolsonaro, para perseguir dissidentes, e pelo STF, para investigar atividades antidemocráticas.
Por
isso, o Supremo e o Congresso aparentemente acertaram uma revisão acelerada da
lei que pode melhorar nosso arcabouço jurídico, mas pode também trazer novos
problemas num caminho cheio de riscos e percalços.
A
estratégia adotada pelo presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira, foi
propor um substitutivo ao projeto de lei de 1991 de Hélio Bicudo, que definia
crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Lira designou como relatora a deputada Margarete Coelho (PP-PI), que está conduzindo um amplo processo de consulta a diferentes atores da sociedade, o que levou o substitutivo a acumular 10 revisões.
A
mera revogação da Lei de Segurança Nacional, com seus muitos dispositivos
autoritários, já seria motivo para celebração. Mas o substitutivo da deputada
tem alguns méritos. Ele se concentra em crimes como golpe de Estado,
insurreição, sabotagem, traição, espionagem e atentado contra a integridade do
território nacional, sem aberturas muito explícitas que permitam o
enquadramento de atividades regulares de protesto como crimes contra a
democracia.
Mas
detalhes de redação e possibilidades de emendas de parlamentares, assim como
vetos seletivos do presidente da República, trazem enormes riscos à empreitada.
O
crime de insurreição, caracterizado como o impedimento do exercício de um poder
mediante ameaça, poderia ser usado para enquadrar manifestantes que ocupam um
escritório (do Ibama ou do Incra, por exemplo) exigindo direitos. O mesmo
acontece com o crime de sabotagem, definido como a inutilização de meios de
comunicação ou transporte, que poderia ser usado para enquadrar manifestantes
indígenas ou caminhoneiros que bloqueiem uma via.
Ainda
que se possa questionar a licitude de uma ocupação de escritório governamental
ou do fechamento de uma via, a reivindicação de um direito não é o mesmo que
uma tentativa de alteração da ordem democrática. Protesto não pode ser tratado
como se fosse subversão do regime.
Um
artigo específico do substitutivo diz isso explicitamente, mas há o temor de
que ele possa ser seletivamente vetado pelo presidente, para permitir que a lei
seja usada para perseguir manifestantes contrários ao governo.
Há
também preocupação com o artigo que trata da “comunicação enganosa em massa”,
que se baseia no escorregadio conceito de disseminação de fatos sabidamente
inverídicos. Ele poderia ser mais restrito e mais efetivo se se concentrasse
não em notícias “falsas”, mas na difusão de conteúdos, mesmo que “verídicos”,
que promovem crimes contra o Estado de Direito, o que atingiria em cheio as
atividades de propaganda no WhatsApp que diariamente convocam a população
contra o Congresso e o Supremo.
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