O Globo
O custo dos juros pode passar de R$ 300
bilhões, a economia entrará em recessão, a Selic deve ir a dois dígitos, a
inflação cairá, mas continuará alta, o desemprego depois de leve queda neste
fim de ano voltará a subir. Esse é o cenário da maioria dos economistas para
2022. O ano seria ruim e ficou pior depois que o ministro Paulo Guedes
concordou em furar o teto de gastos. Nunca foi pelos pobres. Sempre foi para
turbinar a campanha presidencial. É por isso também que, ontem, o governo
lançou a isca para o mercado e falou em privatizar a Petrobras. A ação da
petrolífera disparou, a bolsa subiu. É cortina de fumaça.
Haverá no ano que vem uma solitária notícia boa no cenário econômico, vinda do campo. É possível que a agricultura cresça e haja uma boa safra. Isso alivia também a inflação, mas não será suficiente para melhorar muito o PIB que o Itaú projetou em queda de 0,5%, e a MB Associados, em zero. Vários outros bancos e consultorias estão revisando os cenários para pior. A inflação sobe no Focus há 29 semanas. As revisões são sempre para tornar o quadro mais difícil.
Nas últimas horas, o ministro Paulo Guedes
tentou reduzir o estrago irreversível feito ao país, por ele ter aceitado o
inaceitável. Ministro da Economia defende o cofre. Ponto. Deixa que os outros
inventem desculpas para os ataques às leis fiscais. O Ministério da Economia
não pode ser parte da demagogia e do discurso eleitoreiro. Qualquer economista
sabe que a desordem fiscal tem custos altos e que são pagos principalmente
pelos mais pobres. A inflação sobe, os juros derrubam o PIB, o desemprego
aumenta. E furar o teto não era a única forma de encontrar um valor maior para
o programa de transferência social. Foi a maneira de acomodar todas as outras
pressões e todos os lobbies por gastos. Os pobres foram usados como desculpa
para manter irrigado o orçamento secreto, o chamado RP-9. Atrás desse nome de
desinfetante estão as emendas do relator, que nada mais são do que o esquema de
compra de votos no parlamento.
O ministro Paulo Guedes lançou ontem o
Plano Nacional de Crescimento Verde. Seria cômico, mas é ofensivo. O governo
Bolsonaro desde o início estimulou o desmatamento, a invasão de terras
indígenas, a grilagem e o garimpo ilegal. E vem agora falar de economia verde,
faltando dias para a COP-26? Ontem mesmo o governo fez um leilão emergencial em
que a maioria da energia contratada foi de origem fóssil. O governo preferiu o
gás e recusou as ofertas de biomassa e solar. Para piorar, aceitou pagar quase
cinco vezes mais. Quem eles pensam que enganam?
O mercado financeiro é fácil de enganar,
porque as mentiras são a matéria-prima das especulações. A promessa de
privatização da Petrobras contraria toda a prática do governo Bolsonaro até
agora, que nada privatizou. Mas essa possibilidade foi levantada
deliberadamente para tentar fazer cortina de fumaça. E fez subir em quase 7% o
valor das ações da companhia. Paulo Guedes comemorou com uma frase de fazer
corar qualquer estudante de economia. Confundiu flutuação de mercado com
geração de recursos orçamentários:
— Isso é uma riqueza que estava destruída.
Bastou o presidente dizer “vamos estudar” e o negócio sai subindo e aparecem R$
100 bilhões. Não dá para dar R$ 30 bilhões para os mais frágeis num momento
como este? Se basta uma frase do presidente para aparecer R$ 100 bilhões e
brotar do chão de repente?
O dinheiro não brotou do chão, aumento de
valor das ações não pode ser lastro para gasto público. O rombo no teto não foi
feito para dar dinheiro aos pobres. Isso é dito como manipulação com objetivo
eleitoreiro. A frase faz uma constrangedora confusão que qualquer economista
sabe que não faz sentido.
Toda a lambança da semana passada atingiu a
economia e piorou muito as expectativas para o ano que vem. Mas Paulo Guedes é
grato porque acha que foi salvo pelo presidente. “É sempre assim, estou
morrendo afogado e ele aparece”. O ministro manteve o cargo, o projeto que ele
vendeu ao país nunca foi entregue, e toda a sua falação no fim de semana e
ontem foi para lançar cortinas de fumaça. Todo o peso de combater a inflação
está sobre o Banco Central, que amanhã decide a nova taxa de juros. Já há
apostas em alta de 1,5 ponto da Selic e em um ciclo mais longo. Se o BC for
ambíguo no seu recado, a economia piora mais.
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