Folha de S. Paulo
Pessoas acreditarem em tolices não é
exatamente novidade
A vacina contra a Covid
causa Aids. Quem disse essa asneira foi o presidente da República, em
"live" posteriormente retirada do ar pelo Facebook e pelo Instagram
dados o tamanho e a gravidade do disparate.
Pessoas acreditarem em tolices não é
exatamente novidade. Pode-se até afirmar que é o estado normal da humanidade. É
disseminada, por exemplo, a crença no poder de cura dos santos e em milagres em
geral. Para os que gostam de dar números às coisas, algumas pesquisas antigas
do Datafolha. Sondagem de 2010 mostrou que 25% dos brasileiros creem em Adão e
Eva e numa Terra com menos de 10 mil anos.
Levantamento de 2019 revelou que 26% não acreditam que o homem esteve na Lua e 7% pensam que a Terra é plana. A proporção dos terraplanistas não parece tão elevada, mas ainda assim constitui uma horda de quase 15 milhões de pessoas.
Parte da exuberância epistêmica pode ser
atribuída à baixa escolaridade da população, mas só uma parte. Fiquei chocado
neste fim de semana ao ler sobre o grande número de ministros
do STF que passaram por "terapias espirituais" com João de
Deus, o médium que também estuprava mulheres. É assustador pensar que são
pessoas dadas a essas crendices que tomam as decisões mais importantes para o
país. Resta o consolo de que, em seus votos, eles não costumam recorrer à
lógica dos espíritos.
E é aí que está o busílis. Como ensina
Jonathan Rauch, a democracia e o progresso não exigem que todos os atores
sociais saibam distinguir fatos de crenças. Basta que uma elite de políticos,
cientistas e outros detentores de postos-chave estejam de acordo sobre o método
para estabelecê-los e para definir políticas públicas. Individualmente, eles
podem até nutrir fantasias deístas e superstições, desde que não as levem para
a esfera pública. É justamente esse arranjo, que se mostrou tão valioso para o
avanço da civilização, que Bolsonaro rompe semanalmente.
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