EDITORIAIS
O irresponsável
Folha de S. Paulo
Bolsonaro volta a incentivar desconfiança
nas vacinas ao difundir teoria absurda na internet
O Brasil alcançou outro marco significativo
na campanha de vacinação contra a Covid-19 na semana passada. Mais de metade da
população está imunizada contra o coronavírus, e o declínio de
infecções e mortes enseja alívio em toda parte.
Coube ao país, no entanto, a triste
condição de ser governado na crise sanitária por um presidente que prefere
desempenhar o papel de primeiro propagandista da ignorância e não cansa de
semear desconfiança contra as vacinas.
Na última quinta (21), numa transmissão ao
vivo na internet, o mandatário difundiu uma teoria
estapafúrdia que circula nas redes sociais e sugeriu que
pessoas que se imunizaram podem ter adquirido também o vírus da Aids.
O presidente irresponsável orientou os
apoiadores a buscar informações sobre o disparate e disse que não faria mais
comentários, para evitar complicações com as políticas adotadas pelas
plataformas da internet para conter a desinformação em seus domínios.
Na noite de domingo (24), Facebook e
Instagram retiraram do
ar o vídeo com o pronunciamento de Bolsonaro, acusando-o de
violar os termos de uso das duas empresas ao espalhar mentiras sobre os efeitos
colaterais dos imunizantes.
Não foi a primeira vez que o Facebook tomou providências desse tipo contra o presidente. Em março do ano passado, no início da pandemia, foi removido um vídeo em que Bolsonaro defendia tratamentos inúteis contra a Covid e o fim das políticas de isolamento social.
Mas houve dezenas de
outras situações nos últimos meses em que o governante violou
as normas da rede social sem punição, como a Folha mostrou
recentemente. A maioria das infrações ocorreu nas suas tresloucadas lives
semanais.
Felizmente, os números da campanha e as
pesquisas de opinião atestam que cada vez menos gente presta atenção em
sua pregação
insensata. Em julho, somente 5% dos brasileiros diziam não querer se
vacinar, segundo o Datafolha.
Bolsonaro prefere jactar-se de não estar
imunizado e insiste em panaceias e negacionismos porque acredita que assim
conservará o apoio dos seguidores mais radicais que ainda se enfileiram a seu
lado.
O disfarce de moderação que o governante
vestiu após as manifestações golpistas do Dia da Independência costuma revelar
seu desalinho nas chamadas lives. Ali as tolices que circulam numa confraria de
ignorantes e autoritários jorram pelo fraseado do presidente.
Essa licenciosidade parece ter encontrado
agora o limite de tolerância dos oligopólios que administram as principais
redes sociais. É uma pequena amostra do que poderá ocorrer no período
eleitoral, quando Bolsonaro arrisca ser arrancado das principais plataformas.
Aposta no confronto
Folha de S. Paulo
Presidente do Equador entra em choque com
Congresso e apela a populismo para lidar com crise
Em apenas cinco meses à frente do governo
do Equador, o presidente Guillermo
Lasso, já conheceu o céu e o inferno da política.
Tendo assumido um país castigado pela
Covid-19, no qual a vacinação engatinhava, Lasso corretamente priorizou o
enfrentamento da crise sanitária, logrando em seus primeiros cem dias imunizar
com duas doses metade dos equatorianos. Hoje, com quase 60% da população totalmente
vacinada, o Equador só fica atrás, no continente, de Chile e Uruguai nesse
quesito.
O sucesso da vacinação fez a popularidade
do presidente chegar às alturas. Em meados de setembro, sua taxa de aprovação
alcançou 74%, cifra inédita desde a redemocratização do país, em 1979.
Logo, porém, assomaram os problemas. O
número de homicídios explodiu neste ano, gerando uma crise na segurança
pública. De janeiro a agosto, foram registrados cerca de 1.400 assassinatos no
país, mais do que em todo 2020.
Além disso, disputas entre cartéis de
drogas detonaram uma série de rebeliões nos
presídios, deixando um saldo trágico de mais de duas centenas de
mortes.
Para lidar com o aumento da violência,
Lasso lançou mão de um expediente extremo: o estado de exceção, com tropas do
Exército nas ruas por 60 dias.
Por maiores que sejam os problemas nessa
seara, a decisão do presidente não deixa de ser também uma tentativa de
demonstrar força num momento em que enfrenta uma série de reveses na política.
Com uma bancada minoritária no Parlamento,
Lasso não tem conseguido aprovar seus projetos. Passou ainda a ser investigado
pelo Legislativo e pela Procuradoria após reportagens mostrarem que ele chegou
a controlar 14 empresas
em paraísos fiscais —algo vedado, pela legislação do Equador, a
candidatos presidenciais.
Diante de tais atribulações, o mandatário
preferiu partir para o confronto. Acusou uma conspiração para apeá-lo do poder,
se recusou a prestar esclarecimentos ao Congresso sobre as offshores e ameaçou
usar o mecanismo constitucional que permite dissolver o Legislativo e convocar
novas eleições.
Na sexta (22), diante do anúncio de
protestos nacionais contra aumentos dos combustíveis, Lasso apelou para o
populismo e anunciou um congelamento
de preços. Assim, o presidente liberal põe de lado suas convicções
para tentar evitar a abertura de outra frente na crise enfrentada por seu
governo.
Uma bomba de grande alcance
O Estado de S. Paulo
A violação do teto de gastos anunciada por Guedes criará problemas não só para o sucessor de Bolsonaro, mas para todos os brasileiros, principalmente os pobres
Com sua gastança eleitoreira, o presidente
Jair Bolsonaro vai deixar uma bomba fiscal para seu sucessor, dizem
especialistas em contas públicas, mas essa previsão, tomada literalmente, é
quase otimista. O impacto real atingirá, muito além do sucessor, milhões de
brasileiros, com maiores danos para os mais vulneráveis aos desajustes da
economia. Os pobres, como tem ocorrido tantas vezes, pagarão uma parte
desproporcional da conta. Segundo o Executivo, o Auxílio Brasil de R$ 400 por
família só valerá até o fim do próximo ano. Falta explicar como o próximo
presidente conseguirá reduzir esse valor. Além disso, o estouro do teto abrirá
espaço para gastos adicionais de cerca de R$ 83 bilhões, alterando as condições
do Orçamento de forma dificilmente reversível.
Essa irresponsabilidade causará muito mais
que problemas contábeis. Gastança imprudente, sem fonte segura de
financiamento, desarranja as contas oficiais, aumenta os juros pagos pelo Tesouro,
infla a dívida pública e aumenta a insegurança do mercado. As autoridades
poderiam, se a sua prioridade fosse de fato ajudar os mais carentes, ter
cortado despesas desnecessárias – e de fato injustificáveis – para aumentar o
auxílio aos mais vulneráveis. Mas isso ocorreria se houvesse alguma preocupação
com o uso eficiente e seguro do dinheiro público.
Não é esse o caso. Trata-se mesmo de
atender aos objetivos pessoais do presidente da República, empenhado em
garantir sua reeleição e, acima de tudo, em assegurar sua sobrevivência
política e a manutenção da família em cargos públicos. Não há, obviamente,
relação, nesse caso, entre cargos públicos e interesse público.
Interesse público tem relação, no entanto,
com a gestão orçamentária. A última violência contra o teto de gastos, na
semana passada, pode ter soado, para algumas pessoas, como a definitiva
rejeição da seriedade fiscal. Para outras, a ação de Bolsonaro, respaldada e
assessorada pelo ministro Paulo Guedes, foi apenas mais um capítulo de uma
história bem conhecida. De toda forma, quatro dos principais auxiliares do
ministro renunciaram aos postos, dando sinal de haver chegado a um limite.
Os quatro, disse o ministro Guedes numa
declaração pública, saíram porque são jovens, trabalhadores, bem-intencionados
e estavam dispostos a trancar o Tesouro, embora fosse necessário ajudar os
pobres. Não se deve, segundo ele, tirar 10 em administração fiscal e “deixar os
mais pobres passando fome”. A explicação é insustentável. Seria possível, sim,
atender os mais necessitados – por tanto tempo menosprezados pelo político Jair
Bolsonaro – sem romper a regra fiscal.
A ruptura da regra tem custos muito altos.
Investidores inseguros tendem a correr para o dólar e para outros ativos
estrangeiros, provocando instabilidade cambial e afetando, dessa forma, os
preços internos. Inflação mais intensa inferniza o dia a dia das famílias e
torna mais complicada a sobrevivência de milhões de pessoas já pressionadas
pelo desemprego e pela perda de renda. Com os preços em alta mais acelerada, o
dinheiro fornecido pelo Auxílio Brasil será em boa parte corroído já no próximo
ano. Além disso, esse pagamento só está previsto para os inscritos no programa
Bolsa Família, fora do alcance, portanto, de milhões de pessoas atingidas, até
agora, pela ajuda emergencial.
No mercado, continuam piorando as
expectativas de inflação. A mediana das projeções aponta 8,96% para este ano,
4,40% para o próximo e 3,27% para 2023. Os três números estão acima das metas.
Também subiram as previsões dos juros básicos, agora estimados em 8,75% para
2021, 9,50% para 2022 e 7% para 2022. A alta de juros é esperada como parte da
política anti-inflacionária do Banco Central. Dinheiro mais caro tende a frear
o crescimento econômico, recalculado para 4,97% e 1,40% nesses dois anos. Os
dados são da pesquisa Focus.
Essas projeções indicam menor criação de
empregos, vida mais cara e piores condições para os trabalhadores. É essa a
“ajuda aos pobres” encenada pelo presidente e pelo ministro da Economia.
A última de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Algumas das mentiras que o presidente conta
soariam só ridículas, não fossem tão perigosas no contexto de uma pandemia que
já matou mais de 605 mil brasileiros
O presidente Jair Bolsonaro não é o primeiro
mandatário a mentir. Seguramente, não haverá de ser o último. Entretanto, como
nenhum outro antes dele, Bolsonaro alçou a desinformação à categoria de método
de governo. Distorções de fatos amplamente assimilados como tais ou
desinformação da mais desavergonhada têm servido ao presidente da República
como instrumentos de mobilização e propaganda eleitoral.
De tão contumazes, por vezes estapafúrdias,
algumas das mentiras que Bolsonaro conta soariam apenas ridículas não fossem
extremamente perigosas no contexto de uma pandemia que já matou mais de 605 mil
brasileiros. No que pode ser classificado como seu mais grave ataque à
vacinação contra a covid-19 até agora, Bolsonaro afirmou durante uma live no
dia 21 passado – sem apresentar qualquer dado confiável que sustentasse a
afirmação – que indivíduos que receberam as duas doses da vacina no Reino Unido
estariam “desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais
rápido do que o previsto”. Do seu jeito peculiar, Bolsonaro afirmou que a vacina
contra a covid-19 causa aids. A isso ele se prestou para disseminar dúvidas
sobre a segurança das vacinas a pretexto de defender o que entende ser a
“liberdade individual” dos cidadãos que não querem receber o imunizante contra
o coronavírus. O Comitê de HIV/AIDS da Sociedade Brasileira de Infectologia
publicou nota desmentindo categoricamente o presidente da República.
Das duas, uma: ou Bolsonaro não sabia que a
associação entre a imunização completa contra a covid-19 e a infecção pelo
vírus HIV não tem qualquer fundamento, demonstrando inaceitável ignorância para
um presidente da República, ou sabia – e mesmo assim divulgou o embuste para
confundir os cidadãos, com objetivos inconfessáveis. Seja como for, Bolsonaro
deu a entender que sabia que a tal “informação” seria contestada: “Vou só ler a
notícia aqui, não vou comentar. Já falei sobre isso no passado e apanhei muito.
Posso ter problemas com a minha live”, disse o presidente. De fato, teve.
Pela primeira vez, o Facebook e o Instagram
retiraram o conteúdo da transmissão de Bolsonaro de suas plataformas no dia 24.
O presidente não se manifestou sobre a exclusão do vídeo. E nem precisava. A
Bolsonaro interessa lançar suas mentiras no ar e deixar que elas ganhem vida
própria no submundo das redes sociais.
Muitas dessas mentiras que Bolsonaro e seu
“gabinete do ódio” fazem circular ressoam apenas entre os seguidores mais
fanáticos do presidente, uma parcela cada vez menor da população, ainda que
muito barulhenta. Para o bem do País, o discurso antivacina de Bolsonaro é mal
recebido pela população em geral. A cultura vacinal tem raízes profundas no
Brasil. O número de cidadãos que têm acorrido aos postos de vacinação fala por
si só.
Como mostrou a reportagem do Estado, sempre
haverá uma parcela da sociedade que não levará em consideração a verdade
factual para formar opinião. Não obstante o diligente trabalho de serviços de
checagem como o Estadão Verifica, muitas mentiras e teorias conspiratórias
compartilhadas nas redes sociais, por mais absurdas que pareçam, são – e
continuarão sendo – levadas a sério por uma parte da população. Quanto a isso
pouco há de ser feito, haja vista que aqui se está na esfera das paixões. Já
exigir responsabilidade de Bolsonaro no exercício da Presidência é dever
inarredável dos Poderes constituídos.
O fato de ter amesquinhado o cargo que
ocupa não exime Bolsonaro de ser chamado às falas por seus atos e palavras, ao
contrário. Em boa hora, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-se) pediu à CPI
da Covid que envie ao Supremo Tribunal Federal uma compilação das falsas
alegações de Bolsonaro sobre as vacinas ditas em suas lives, a fim de que
constem no inquérito que tramita na Corte sobre a disseminação de notícias
falsas.
Não há registro de um chefe de Estado e de
governo que tenha degradado a força da palavra da Presidência da República de
forma irreparável como logrou Bolsonaro. Quase nada do que ele diz ou escreve é
digno da confiança dos cidadãos que não têm por hábito brigar com a realidade.
Mas até para um mitômano como ele há limites que não podem ser ultrapassados
impunemente.
É inaceitável
que o governo ainda hesite em proibir Kit Covid no SUS
O Globo
Foi
vergonhosa a votação, na última quinta-feira, do parecer da Conitec condenando
o uso do Kit Covid no SUS
É inacreditável
que, com um ano e oito meses de pandemia, mais de 605 mil mortos e uma CPI
prestes a indiciar o presidente Jair Bolsonaro e outros 67 investigados por
dezenas de crimes, entre os quais crimes contra a humanidade, o governo ainda
insista na defesa do famigerado “tratamento precoce” com um certo Kit Covid,
pacote de medicamentos como cloroquina, ivermectina e azitromicina, sem
eficácia científica comprovada contra a Covid-19.
Foi vergonhosa a
votação, na última quinta-feira, do parecer da Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) condenando o
uso do Kit Covid no SUS. A proposta, que fora retirada de pauta na semana
anterior, recebeu seis votos a favor e seis contra. Não é apenas o empate
esdrúxulo que chama a atenção, mas a forma como se chegou a ele, num tema que
não deveria suscitar polêmica nenhuma. Simplesmente porque se tratava da
análise de um órgão técnico.
O Ministério da
Saúde, que deveria prezar a ciência, votou em massa a favor do curandeirismo à
base de cloroquina. Das sete secretarias da pasta que integram a comissão,
cinco defenderam o kit. O Conselho Federal de Medicina (CFM), que ao longo da
pandemia fez picadinho da ciência, também rejeitou o parecer. Os conselhos de
secretários estaduais e municipais de Saúde (Conass e Conasems), a Agência
Nacional de Saúde (ANS) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) endossaram a
condenação ao “tratamento precoce”. A Anvisa, que poderia desempatar, não
votou.
Está comprovado
por pilhas de estudos que drogas como cloroquina e hidroxicloroquina não surtem
efeito contra a Covid-19 e podem causar problemas graves, como arritmias
cardíacas. Se, no início da pandemia, poderia haver dúvidas sobre a eficácia
desses medicamentos, elas estavam dirimidas já em maio do ano passado. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que eles não surtem efeito contra o
novo coronavírus e recomenda fortemente que não sejam usados.
A posição do
presidente Jair Bolsonaro em defesa do Kit Covid é conhecida. Em maio, chamou
de “canalha” quem não aceita o “tratamento precoce”. Já foi fotografado
mostrando caixas de cloroquina às emas do Palácio da Alvorada, fez inúmeras
transmissões ao vivo em que propagandeia drogas ineficazes e, na Assembleia
Geral da ONU, repetiu a ladainha, reforçando a imagem do país como pária
mundial. Do Ministério da Saúde, comandado pelo cardiologista Marcelo Queiroga,
esperava-se conduta menos negacionista. Até porque, em nota técnica enviada à
CPI da Covid, o próprio ministério reprovara os medicamentos do kit.
O parecer da Conitec foi aberto para consulta pública e será novamente apreciado pela comissão. Que o roteiro agora seja diferente. É ridículo que a esta altura ainda se discuta se o SUS deve recomendar medicamentos ineficazes e potencialmente perigosos a pacientes com Covid-19. Não há símbolo mais eloquente do atraso que marca a atual gestão da saúde pública no Brasil.
Posições do Brasil na COP26 influem no
acordo Mercosul-EU
Valor Econômico
A melhor aposta é que a ratificação do
acordo saia a partir de 2023
A participação do Brasil na próxima
Conferência do Clima das Nações Unidas (a COP26) terá uma dupla importância:
vai revelar se o Brasil avançou em relação a suas metas climáticas e
compromissos de preservação do ambiente, desfazendo a má imagem do governo
Bolsonaro nesse campo, e destravar ou complicar de vez o acordo do Mercosul com
a União Europeia, empacado exatamente na frente ambiental.
Depois dos atrasos causados pela pandemia
do novo coronavírus, as Nações Unidas programaram a COP26 para 31 de outubro a
12 de novembro, em Glasgow, na Escócia. Uma das principais tarefas da delegação
brasileira será desfazer a impressão de que o país deu uma pedalada climática
ao anunciar as mais recentes contribuições nacionalmente determinadas (NDC)
quando revisou as bases de 2005.
Em entrevista ao Valor (22/10) o negociador
chefe do Brasil na COP26, Leonardo Cleaver de Athayde, rejeitou essa interpretação,
que disse ser uma leitura equivocada da NDC. Athayde chamou a atenção para as
metas do governo de Bolsonaro de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Além de
prometer a neutralidade climática em 2050, objetivo que engloba todos os
gases-estufa, e não apenas o CO2. Athayde disse que o Brasil tem interesse em
apoiar o mecanismo de mercado para facilitar que países e empresas cortem a
produção de gases de efeito estufa e o mercado global de créditos de carbono.
A poucos dias do encontro, o Legislativo
corre para fazer sua parte. O Senado aprovou projeto de lei que antecipa em
cinco anos, para 2025, o compromisso de acabar com o desmatamento ilegal, e, em
outro projeto de lei, atualiza as bases do Inventário Nacional de Emissões para
tentar desfazer a imagem de que o país manipula os dados. Na Câmara, outro
projeto cria o mercado de carbono.
As autoridades do Parlamento europeu
envolvidas na negociação do acordo com o Mercosul preferem esperar para ver.
Mais do que isso, pretendem estabelecer sanções caso as promessas não se
confirmarem. O acordo Mercosul-UE levou quase 20 anos para ser fechado, em
junho de 2019. Com a pressão dos mercados consumidores europeus contra a compra
de produtos importados de países que não preservam o meio ambiente, e dos
produtores domésticos, o acordo evoluiu para incorporar demandas em favor do
meio ambiente.
A UE propôs, em março, anexar uma
declaração adicional sobre meio ambiente ao tratado e o Mercosul sinalizou que
aceitava. Sete meses depois, porém, o aditivo não foi entregue. As exigências
teriam sido radicalizadas pela área de meio ambiente da Comissão Europeia a
ponto de os próprios europeus acharem que seriam inaceitáveis para o Brasil, o
que atrasa a divulgação.
Os parlamentares europeus pretendem
introduzir sanções no acordo caso os compromissos ambientais não sejam
respeitados. O presidente da Comissão de Meio-Ambiente do Parlamento Europeu,
Pascal Canfin, disse ao Valor que
vai acompanhar a atuação do Brasil na COP26, mas já antecipa que o acordo com o
Mercosul só tem chance de ser aprovado no Parlamento Europeu com inclusão de
sanções em caso de desrespeito aos compromissos ambientais, como a suspensão da
redução tarifária ou de cotas previstas no acordo para produtos do Brasil e do
restante do Mercosul.
O Itamaraty rejeita a introdução de
sanções. Um dos argumentos utilizados é que outras parcerias comerciais não
preveem esse tipo de cláusula que, de resto, também não estão estabelecidas nos
compromissos internacionais mencionados entre a UE e o Mercosul - Acordo de
Paris e Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
A realidade é que o acordo entre o Mercosul
e a UE parece ter motivos para caminhar a passos lentos também no plano
político. Aguarda-se para o fim do ano a composição do novo governo alemão, em
que a participação dos Verdes será relevante e vai influenciar nos rumos da
negociação. Em abril de 2022, haverá eleições na França, onde uma eventual
derrota de Emmanuel Macron para Marine Le Pen pode mudar radicalmente o quadro.
Além disso, seis meses depois, haverá eleições no Brasil. A melhor aposta é que
a ratificação do acordo saia a partir de 2023, com um quadro político mais
definido em importantes players da discussão e com dois apoiadores do acordo na
presidência rotativa da União Europeia, a Suécia e a Espanha.
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