terça-feira, 26 de outubro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O irresponsável

Folha de S. Paulo

Bolsonaro volta a incentivar desconfiança nas vacinas ao difundir teoria absurda na internet

O Brasil alcançou outro marco significativo na campanha de vacinação contra a Covid-19 na semana passada. Mais de metade da população está imunizada contra o coronavírus, e o declínio de infecções e mortes enseja alívio em toda parte.

Coube ao país, no entanto, a triste condição de ser governado na crise sanitária por um presidente que prefere desempenhar o papel de primeiro propagandista da ignorância e não cansa de semear desconfiança contra as vacinas.

Na última quinta (21), numa transmissão ao vivo na internet, o mandatário difundiu uma teoria estapafúrdia que circula nas redes sociais e sugeriu que pessoas que se imunizaram podem ter adquirido também o vírus da Aids.

O presidente irresponsável orientou os apoiadores a buscar informações sobre o disparate e disse que não faria mais comentários, para evitar complicações com as políticas adotadas pelas plataformas da internet para conter a desinformação em seus domínios.

Na noite de domingo (24), Facebook e Instagram retiraram do ar o vídeo com o pronunciamento de Bolsonaro, acusando-o de violar os termos de uso das duas empresas ao espalhar mentiras sobre os efeitos colaterais dos imunizantes.

Não foi a primeira vez que o Facebook tomou providências desse tipo contra o presidente. Em março do ano passado, no início da pandemia, foi removido um vídeo em que Bolsonaro defendia tratamentos inúteis contra a Covid e o fim das políticas de isolamento social.

Mas houve dezenas de outras situações nos últimos meses em que o governante violou as normas da rede social sem punição, como a Folha mostrou recentemente. A maioria das infrações ocorreu nas suas tresloucadas lives semanais.

Felizmente, os números da campanha e as pesquisas de opinião atestam que cada vez menos gente presta atenção em sua pregação insensata. Em julho, somente 5% dos brasileiros diziam não querer se vacinar, segundo o Datafolha.

Bolsonaro prefere jactar-se de não estar imunizado e insiste em panaceias e negacionismos porque acredita que assim conservará o apoio dos seguidores mais radicais que ainda se enfileiram a seu lado.

O disfarce de moderação que o governante vestiu após as manifestações golpistas do Dia da Independência costuma revelar seu desalinho nas chamadas lives. Ali as tolices que circulam numa confraria de ignorantes e autoritários jorram pelo fraseado do presidente.

Essa licenciosidade parece ter encontrado agora o limite de tolerância dos oligopólios que administram as principais redes sociais. É uma pequena amostra do que poderá ocorrer no período eleitoral, quando Bolsonaro arrisca ser arrancado das principais plataformas.

Aposta no confronto

Folha de S. Paulo

Presidente do Equador entra em choque com Congresso e apela a populismo para lidar com crise

Em apenas cinco meses à frente do governo do Equador, o presidente Guillermo Lasso, já conheceu o céu e o inferno da política.

Tendo assumido um país castigado pela Covid-19, no qual a vacinação engatinhava, Lasso corretamente priorizou o enfrentamento da crise sanitária, logrando em seus primeiros cem dias imunizar com duas doses metade dos equatorianos. Hoje, com quase 60% da população totalmente vacinada, o Equador só fica atrás, no continente, de Chile e Uruguai nesse quesito.

O sucesso da vacinação fez a popularidade do presidente chegar às alturas. Em meados de setembro, sua taxa de aprovação alcançou 74%, cifra inédita desde a redemocratização do país, em 1979.

Logo, porém, assomaram os problemas. O número de homicídios explodiu neste ano, gerando uma crise na segurança pública. De janeiro a agosto, foram registrados cerca de 1.400 assassinatos no país, mais do que em todo 2020.

Além disso, disputas entre cartéis de drogas detonaram uma série de rebeliões nos presídios, deixando um saldo trágico de mais de duas centenas de mortes.

Para lidar com o aumento da violência, Lasso lançou mão de um expediente extremo: o estado de exceção, com tropas do Exército nas ruas por 60 dias.

Por maiores que sejam os problemas nessa seara, a decisão do presidente não deixa de ser também uma tentativa de demonstrar força num momento em que enfrenta uma série de reveses na política.

Com uma bancada minoritária no Parlamento, Lasso não tem conseguido aprovar seus projetos. Passou ainda a ser investigado pelo Legislativo e pela Procuradoria após reportagens mostrarem que ele chegou a controlar 14 empresas em paraísos fiscais —algo vedado, pela legislação do Equador, a candidatos presidenciais.

Diante de tais atribulações, o mandatário preferiu partir para o confronto. Acusou uma conspiração para apeá-lo do poder, se recusou a prestar esclarecimentos ao Congresso sobre as offshores e ameaçou usar o mecanismo constitucional que permite dissolver o Legislativo e convocar novas eleições.

Na sexta (22), diante do anúncio de protestos nacionais contra aumentos dos combustíveis, Lasso apelou para o populismo e anunciou um congelamento de preços. Assim, o presidente liberal põe de lado suas convicções para tentar evitar a abertura de outra frente na crise enfrentada por seu governo.

Uma bomba de grande alcance

O Estado de S. Paulo

A violação do teto de gastos anunciada por Guedes criará problemas não só para o sucessor de Bolsonaro, mas para todos os brasileiros, principalmente os pobres

Com sua gastança eleitoreira, o presidente Jair Bolsonaro vai deixar uma bomba fiscal para seu sucessor, dizem especialistas em contas públicas, mas essa previsão, tomada literalmente, é quase otimista. O impacto real atingirá, muito além do sucessor, milhões de brasileiros, com maiores danos para os mais vulneráveis aos desajustes da economia. Os pobres, como tem ocorrido tantas vezes, pagarão uma parte desproporcional da conta. Segundo o Executivo, o Auxílio Brasil de R$ 400 por família só valerá até o fim do próximo ano. Falta explicar como o próximo presidente conseguirá reduzir esse valor. Além disso, o estouro do teto abrirá espaço para gastos adicionais de cerca de R$ 83 bilhões, alterando as condições do Orçamento de forma dificilmente reversível.

Essa irresponsabilidade causará muito mais que problemas contábeis. Gastança imprudente, sem fonte segura de financiamento, desarranja as contas oficiais, aumenta os juros pagos pelo Tesouro, infla a dívida pública e aumenta a insegurança do mercado. As autoridades poderiam, se a sua prioridade fosse de fato ajudar os mais carentes, ter cortado despesas desnecessárias – e de fato injustificáveis – para aumentar o auxílio aos mais vulneráveis. Mas isso ocorreria se houvesse alguma preocupação com o uso eficiente e seguro do dinheiro público.

Não é esse o caso. Trata-se mesmo de atender aos objetivos pessoais do presidente da República, empenhado em garantir sua reeleição e, acima de tudo, em assegurar sua sobrevivência política e a manutenção da família em cargos públicos. Não há, obviamente, relação, nesse caso, entre cargos públicos e interesse público.

Interesse público tem relação, no entanto, com a gestão orçamentária. A última violência contra o teto de gastos, na semana passada, pode ter soado, para algumas pessoas, como a definitiva rejeição da seriedade fiscal. Para outras, a ação de Bolsonaro, respaldada e assessorada pelo ministro Paulo Guedes, foi apenas mais um capítulo de uma história bem conhecida. De toda forma, quatro dos principais auxiliares do ministro renunciaram aos postos, dando sinal de haver chegado a um limite.

Os quatro, disse o ministro Guedes numa declaração pública, saíram porque são jovens, trabalhadores, bem-intencionados e estavam dispostos a trancar o Tesouro, embora fosse necessário ajudar os pobres. Não se deve, segundo ele, tirar 10 em administração fiscal e “deixar os mais pobres passando fome”. A explicação é insustentável. Seria possível, sim, atender os mais necessitados – por tanto tempo menosprezados pelo político Jair Bolsonaro – sem romper a regra fiscal.

A ruptura da regra tem custos muito altos. Investidores inseguros tendem a correr para o dólar e para outros ativos estrangeiros, provocando instabilidade cambial e afetando, dessa forma, os preços internos. Inflação mais intensa inferniza o dia a dia das famílias e torna mais complicada a sobrevivência de milhões de pessoas já pressionadas pelo desemprego e pela perda de renda. Com os preços em alta mais acelerada, o dinheiro fornecido pelo Auxílio Brasil será em boa parte corroído já no próximo ano. Além disso, esse pagamento só está previsto para os inscritos no programa Bolsa Família, fora do alcance, portanto, de milhões de pessoas atingidas, até agora, pela ajuda emergencial.

No mercado, continuam piorando as expectativas de inflação. A mediana das projeções aponta 8,96% para este ano, 4,40% para o próximo e 3,27% para 2023. Os três números estão acima das metas. Também subiram as previsões dos juros básicos, agora estimados em 8,75% para 2021, 9,50% para 2022 e 7% para 2022. A alta de juros é esperada como parte da política anti-inflacionária do Banco Central. Dinheiro mais caro tende a frear o crescimento econômico, recalculado para 4,97% e 1,40% nesses dois anos. Os dados são da pesquisa Focus.

Essas projeções indicam menor criação de empregos, vida mais cara e piores condições para os trabalhadores. É essa a “ajuda aos pobres” encenada pelo presidente e pelo ministro da Economia.

A última de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Algumas das mentiras que o presidente conta soariam só ridículas, não fossem tão perigosas no contexto de uma pandemia que já matou mais de 605 mil brasileiros

O presidente Jair Bolsonaro não é o primeiro mandatário a mentir. Seguramente, não haverá de ser o último. Entretanto, como nenhum outro antes dele, Bolsonaro alçou a desinformação à categoria de método de governo. Distorções de fatos amplamente assimilados como tais ou desinformação da mais desavergonhada têm servido ao presidente da República como instrumentos de mobilização e propaganda eleitoral.

De tão contumazes, por vezes estapafúrdias, algumas das mentiras que Bolsonaro conta soariam apenas ridículas não fossem extremamente perigosas no contexto de uma pandemia que já matou mais de 605 mil brasileiros. No que pode ser classificado como seu mais grave ataque à vacinação contra a covid-19 até agora, Bolsonaro afirmou durante uma live no dia 21 passado – sem apresentar qualquer dado confiável que sustentasse a afirmação – que indivíduos que receberam as duas doses da vacina no Reino Unido estariam “desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rápido do que o previsto”. Do seu jeito peculiar, Bolsonaro afirmou que a vacina contra a covid-19 causa aids. A isso ele se prestou para disseminar dúvidas sobre a segurança das vacinas a pretexto de defender o que entende ser a “liberdade individual” dos cidadãos que não querem receber o imunizante contra o coronavírus. O Comitê de HIV/AIDS da Sociedade Brasileira de Infectologia publicou nota desmentindo categoricamente o presidente da República.

Das duas, uma: ou Bolsonaro não sabia que a associação entre a imunização completa contra a covid-19 e a infecção pelo vírus HIV não tem qualquer fundamento, demonstrando inaceitável ignorância para um presidente da República, ou sabia – e mesmo assim divulgou o embuste para confundir os cidadãos, com objetivos inconfessáveis. Seja como for, Bolsonaro deu a entender que sabia que a tal “informação” seria contestada: “Vou só ler a notícia aqui, não vou comentar. Já falei sobre isso no passado e apanhei muito. Posso ter problemas com a minha live”, disse o presidente. De fato, teve.

Pela primeira vez, o Facebook e o Instagram retiraram o conteúdo da transmissão de Bolsonaro de suas plataformas no dia 24. O presidente não se manifestou sobre a exclusão do vídeo. E nem precisava. A Bolsonaro interessa lançar suas mentiras no ar e deixar que elas ganhem vida própria no submundo das redes sociais.

Muitas dessas mentiras que Bolsonaro e seu “gabinete do ódio” fazem circular ressoam apenas entre os seguidores mais fanáticos do presidente, uma parcela cada vez menor da população, ainda que muito barulhenta. Para o bem do País, o discurso antivacina de Bolsonaro é mal recebido pela população em geral. A cultura vacinal tem raízes profundas no Brasil. O número de cidadãos que têm acorrido aos postos de vacinação fala por si só.

Como mostrou a reportagem do Estado, sempre haverá uma parcela da sociedade que não levará em consideração a verdade factual para formar opinião. Não obstante o diligente trabalho de serviços de checagem como o Estadão Verifica, muitas mentiras e teorias conspiratórias compartilhadas nas redes sociais, por mais absurdas que pareçam, são – e continuarão sendo – levadas a sério por uma parte da população. Quanto a isso pouco há de ser feito, haja vista que aqui se está na esfera das paixões. Já exigir responsabilidade de Bolsonaro no exercício da Presidência é dever inarredável dos Poderes constituídos.

O fato de ter amesquinhado o cargo que ocupa não exime Bolsonaro de ser chamado às falas por seus atos e palavras, ao contrário. Em boa hora, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-se) pediu à CPI da Covid que envie ao Supremo Tribunal Federal uma compilação das falsas alegações de Bolsonaro sobre as vacinas ditas em suas lives, a fim de que constem no inquérito que tramita na Corte sobre a disseminação de notícias falsas.

Não há registro de um chefe de Estado e de governo que tenha degradado a força da palavra da Presidência da República de forma irreparável como logrou Bolsonaro. Quase nada do que ele diz ou escreve é digno da confiança dos cidadãos que não têm por hábito brigar com a realidade. Mas até para um mitômano como ele há limites que não podem ser ultrapassados impunemente.

É inaceitável que o governo ainda hesite em proibir Kit Covid no SUS

O Globo

Foi vergonhosa a votação, na última quinta-feira, do parecer da Conitec condenando o uso do Kit Covid no SUS

É inacreditável que, com um ano e oito meses de pandemia, mais de 605 mil mortos e uma CPI prestes a indiciar o presidente Jair Bolsonaro e outros 67 investigados por dezenas de crimes, entre os quais crimes contra a humanidade, o governo ainda insista na defesa do famigerado “tratamento precoce” com um certo Kit Covid, pacote de medicamentos como cloroquina, ivermectina e azitromicina, sem eficácia científica comprovada contra a Covid-19.

Foi vergonhosa a votação, na última quinta-feira, do parecer da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) condenando o uso do Kit Covid no SUS. A proposta, que fora retirada de pauta na semana anterior, recebeu seis votos a favor e seis contra. Não é apenas o empate esdrúxulo que chama a atenção, mas a forma como se chegou a ele, num tema que não deveria suscitar polêmica nenhuma. Simplesmente porque se tratava da análise de um órgão técnico.

O Ministério da Saúde, que deveria prezar a ciência, votou em massa a favor do curandeirismo à base de cloroquina. Das sete secretarias da pasta que integram a comissão, cinco defenderam o kit. O Conselho Federal de Medicina (CFM), que ao longo da pandemia fez picadinho da ciência, também rejeitou o parecer. Os conselhos de secretários estaduais e municipais de Saúde (Conass e Conasems), a Agência Nacional de Saúde (ANS) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) endossaram a condenação ao “tratamento precoce”. A Anvisa, que poderia desempatar, não votou.

Está comprovado por pilhas de estudos que drogas como cloroquina e hidroxicloroquina não surtem efeito contra a Covid-19 e podem causar problemas graves, como arritmias cardíacas. Se, no início da pandemia, poderia haver dúvidas sobre a eficácia desses medicamentos, elas estavam dirimidas já em maio do ano passado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que eles não surtem efeito contra o novo coronavírus e recomenda fortemente que não sejam usados.

A posição do presidente Jair Bolsonaro em defesa do Kit Covid é conhecida. Em maio, chamou de “canalha” quem não aceita o “tratamento precoce”. Já foi fotografado mostrando caixas de cloroquina às emas do Palácio da Alvorada, fez inúmeras transmissões ao vivo em que propagandeia drogas ineficazes e, na Assembleia Geral da ONU, repetiu a ladainha, reforçando a imagem do país como pária mundial. Do Ministério da Saúde, comandado pelo cardiologista Marcelo Queiroga, esperava-se conduta menos negacionista. Até porque, em nota técnica enviada à CPI da Covid, o próprio ministério reprovara os medicamentos do kit.

O parecer da Conitec foi aberto para consulta pública e será novamente apreciado pela comissão. Que o roteiro agora seja diferente. É ridículo que a esta altura ainda se discuta se o SUS deve recomendar medicamentos ineficazes e potencialmente perigosos a pacientes com Covid-19. Não há símbolo mais eloquente do atraso que marca a atual gestão da saúde pública no Brasil.

Posições do Brasil na COP26 influem no acordo Mercosul-EU

Valor Econômico

A melhor aposta é que a ratificação do acordo saia a partir de 2023

A participação do Brasil na próxima Conferência do Clima das Nações Unidas (a COP26) terá uma dupla importância: vai revelar se o Brasil avançou em relação a suas metas climáticas e compromissos de preservação do ambiente, desfazendo a má imagem do governo Bolsonaro nesse campo, e destravar ou complicar de vez o acordo do Mercosul com a União Europeia, empacado exatamente na frente ambiental.

Depois dos atrasos causados pela pandemia do novo coronavírus, as Nações Unidas programaram a COP26 para 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia. Uma das principais tarefas da delegação brasileira será desfazer a impressão de que o país deu uma pedalada climática ao anunciar as mais recentes contribuições nacionalmente determinadas (NDC) quando revisou as bases de 2005.

Em entrevista ao Valor (22/10) o negociador chefe do Brasil na COP26, Leonardo Cleaver de Athayde, rejeitou essa interpretação, que disse ser uma leitura equivocada da NDC. Athayde chamou a atenção para as metas do governo de Bolsonaro de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Além de prometer a neutralidade climática em 2050, objetivo que engloba todos os gases-estufa, e não apenas o CO2. Athayde disse que o Brasil tem interesse em apoiar o mecanismo de mercado para facilitar que países e empresas cortem a produção de gases de efeito estufa e o mercado global de créditos de carbono.

A poucos dias do encontro, o Legislativo corre para fazer sua parte. O Senado aprovou projeto de lei que antecipa em cinco anos, para 2025, o compromisso de acabar com o desmatamento ilegal, e, em outro projeto de lei, atualiza as bases do Inventário Nacional de Emissões para tentar desfazer a imagem de que o país manipula os dados. Na Câmara, outro projeto cria o mercado de carbono.

As autoridades do Parlamento europeu envolvidas na negociação do acordo com o Mercosul preferem esperar para ver. Mais do que isso, pretendem estabelecer sanções caso as promessas não se confirmarem. O acordo Mercosul-UE levou quase 20 anos para ser fechado, em junho de 2019. Com a pressão dos mercados consumidores europeus contra a compra de produtos importados de países que não preservam o meio ambiente, e dos produtores domésticos, o acordo evoluiu para incorporar demandas em favor do meio ambiente.

A UE propôs, em março, anexar uma declaração adicional sobre meio ambiente ao tratado e o Mercosul sinalizou que aceitava. Sete meses depois, porém, o aditivo não foi entregue. As exigências teriam sido radicalizadas pela área de meio ambiente da Comissão Europeia a ponto de os próprios europeus acharem que seriam inaceitáveis para o Brasil, o que atrasa a divulgação.

Os parlamentares europeus pretendem introduzir sanções no acordo caso os compromissos ambientais não sejam respeitados. O presidente da Comissão de Meio-Ambiente do Parlamento Europeu, Pascal Canfin, disse ao Valor que vai acompanhar a atuação do Brasil na COP26, mas já antecipa que o acordo com o Mercosul só tem chance de ser aprovado no Parlamento Europeu com inclusão de sanções em caso de desrespeito aos compromissos ambientais, como a suspensão da redução tarifária ou de cotas previstas no acordo para produtos do Brasil e do restante do Mercosul.

O Itamaraty rejeita a introdução de sanções. Um dos argumentos utilizados é que outras parcerias comerciais não preveem esse tipo de cláusula que, de resto, também não estão estabelecidas nos compromissos internacionais mencionados entre a UE e o Mercosul - Acordo de Paris e Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

A realidade é que o acordo entre o Mercosul e a UE parece ter motivos para caminhar a passos lentos também no plano político. Aguarda-se para o fim do ano a composição do novo governo alemão, em que a participação dos Verdes será relevante e vai influenciar nos rumos da negociação. Em abril de 2022, haverá eleições na França, onde uma eventual derrota de Emmanuel Macron para Marine Le Pen pode mudar radicalmente o quadro. Além disso, seis meses depois, haverá eleições no Brasil. A melhor aposta é que a ratificação do acordo saia a partir de 2023, com um quadro político mais definido em importantes players da discussão e com dois apoiadores do acordo na presidência rotativa da União Europeia, a Suécia e a Espanha.

 

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