Folha de S. Paulo
Convertidos à causa dos pobres, são Jair e
são Guedes vão acabar com a seca, a carestia e a fome
Desde a semana passada, há nos oratórios do
país a imagem de dois homens pios que, só pelas promessas feitas para amenizar
o sofrimento do povo, já deveriam ter sido canonizados: Jair Bolsonaro e Paulo
Guedes, os novos são Cosme e
são Damião, enviados de Deus para acabar com a peste, a seca, a fome
e a carestia.
Não pense você que foi fácil alcançar o estado de graça atual. O caminho da iluminação foi marcado por perdições e desvios, enfim suplantados pela fé em que, apesar do horizonte pessimista, ainda é possível ganhar as eleições e evitar a chegada ao poder do demônio barbudo ou de um falso profeta vestindo o manto da terceira via.
No tempo em que foi deputado federal e
viveu em pecado, usando o auxílio moradia para "comer gente", a
maldade do mundo obrigava Bolsonaro a criticar os programas sociais. O Bolsa
Família —ou Bolsa Farelo, como ele apelidou o benefício— não passava de um
sistema de compra de votos e deveria ser extinto. Bem diferente, pois ungido pelos
óleos sagrados, será o Auxílio Brasil, turbinado para R$ 400 já pensando na
inflação. A bênção da grana tem prazo de validade, só valendo para o ano
eleitoral; mas, se você votar, digo, rezar para o santo certo, vem mais.
A valorização do dólar --motivada pelo furo
no teto de gastos para bancar a transferência de renda-- é a última tentação de
Guedes, que guarda seu rico dinheirinho americano em paraísos fiscais. Após a
recente conversão, o ministro passou a ser a favor de que as empregadas
domésticas visitem a Disney e que os filhos de porteiros tenham acesso a
universidades. Ao contrário do que ele defendia antes, os pobres agora podem e
devem consumir à vontade e não mais se contentar com as sobras da classe média.
Com as ações humanitárias de Guedes e
Bolsonaro, o padre Júlio Lancellotti terá a oportunidade de descansar e, como
todos nós, de usufruir mais um ciclo do milagre brasileiro.
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