Valor Econômico
Guedes fica porque ainda não desistiu das
reformas
Foi revelador o ato falho do ministro da
Economia, Paulo Guedes, durante entrevista coletiva na sexta-feira, quando
anunciou, em segundos de visível confusão, que André Esteves, fundador do BTG
Pactual, assumiria a Secretaria de Tesouro e Orçamento.
“Sai o [Bruno] Funchal e entra o André
Esteves”, atrapalhou-se. “O André Colnago. É porque é o André Esteves Colnago.
Ele não tem o André?”, indagou.
Num arroubo de sinceridade, Guedes
esclareceu que o ato falho se deu porque soubera que ministros da ala política
haviam consultado Esteves sobre nomes para substitui-lo.
“Sei
que muita gente da ala política andou oferecendo nome e fazendo pescaria”,
acusou. A ironia, sublinham interlocutores de Guedes, é que seus colegas do
primeiro escalão sondaram justamente amigos de Guedes para o seu lugar.
Com o desabafo, Guedes, jogou luz sobre o
embate interno travado há meses entre a equipe econômica e a ala política do
governo. Já eram notórias as trocas de farpas entre o titular da Economia e o
ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.
Agora sabe-se que Marinho ganhou reforços
para seu time, em movimento que teve como mote o benefício de R$ 400 do novo
programa social do presidente Jair Bolsonaro.
Os atritos entre ministros políticos e a equipe econômica sucedem-se na história brasileira. Para nos atermos à história recente, remontam, pelo menos, à Era Vargas.
Nos primeiros meses de 1954, o então
ministro do Trabalho, João Goulart, tentava convencer o presidente Getúlio
Vargas a dobrar o valor do salário mínimo.
Registre-se que, nos dias atuais, Bolsonaro
nem cogitou dobrar o valor do Bolsa Família: na medida provisória criando o
novo Auxílio Brasil, ele defendeu um reajuste de 50% do valor médio do
benefício, estimado em R$ 189. Imagine se quisesse dobrar a meta!
A proposta de Jango causava arrepios no
ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, e no presidente do Banco do Brasil, Marcos
de Souza Dantas, porque comprometeria o esforço de estabilização da moeda.
Mesmo assim, em 1º de maio daquele ano,
Getúlio anunciou, no programa de rádio “Voz do Brasil”, o reajuste do salário
mínimo em 100%, passando de 1,2 mil para 2,4 mil cruzeiros - cerca de R$ 1,2
mil, em valores atuais.
Configurou-se, entretanto, uma dupla
derrota: Jango havia deixado o Ministério do Trabalho semanas antes do anúncio,
sob pressão dos militares, que o acusavam de comunista. Aranha perdeu o páreo,
mas não abandonou Getúlio e foi um dos poucos auxiliares a permanecer ao seu
lado até o fim trágico, três meses depois.
Já na Nova República, o ministro da Fazenda,
Pedro Malan - titular do cargo nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso -
enfrentou sucessivas crises, até pela longevidade no posto. Em um dos episódios
mais conhecidos, venceu a queda de braço com o então ministro do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Clóvis Carvalho.
Era setembro de 1999 e Carvalho defendia a
prorrogação dos incentivos fiscais às empresas. Havia subido o tom contra
Malan: cobrou ousadia e declarou que o excesso de cautela era sinônimo de
covardia. Fernando Henrique hesitou, mas acabou dispensando Carvalho, auxiliar
de sua máxima confiança, que havia ficado ao seu lado nos quatro anos do
primeiro mandato, na chefia da Casa Civil.
Em capítulo mais recente, o ministro da
Fazenda do governo Dilma Rousseff, Joaquim Levy, defensor de um ajuste fiscal
austero, não se sustentou um ano no cargo. Já em meados de 2015, passou a
sofrer fritura pública de lideranças do PT, que cobravam a recriação da CPMF
para financiar a saúde. No estopim da crise, a presidente decidiu reduzir a meta
de superávit de 0,7% para 0,5%. Levy pediu demissão em 18 dezembro.
Bolsonaro volta e meia vai a público
anunciar que Guedes fica onde está. Interlocutores do ministro asseguram que,
apesar dos solavancos, ele ainda acredita que conseguirá aprovar as reformas
tributária e administrativa no Congresso.
Até agora, no contexto da Nova República,
Guedes tem demonstrado fôlego de atleta no cargo. Num comparativo com os três
ministros da Fazenda mais longevos, a partir de José Sarney, Guedes só perde
para Guido Mantega e Pedro Malan. Está encostando em Antonio Palocci, que ficou
três anos e três meses na cadeira.
Pacheco
Foi com fôlego renovado - após duas
demonstrações de apoio de Bolsonaro num intervalo de 48 horas -, que Paulo
Guedes subiu o tom para cobrar do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), a
votação da reforma do Imposto de Renda.
“Que o presidente do Senado avance com as
reformas!”, bradou, neste domingo, ao lado de Bolsonaro. “Ele se lança
presidente da República [...] Se ele não avançar com as reformas, como vai
defender a própria candidatura? [...] Se quiser se viabilizar politicamente
como alternativa séria, ele precisa ajudar o nosso governo a avançar com as
reformas”, desafiou.
Na véspera, Pacheco fora lançado
pré-candidato à Presidência em ato do PSD no Rio de Janeiro. Uma estratégia da
sigla é tentar associá-lo presidente Juscelino Kubitschek, autor do Plano de
Metas, dos “50 anos em 5”. Pacheco passou a citar JK em seus discursos em atos
políticos e vai assinar amanhã ficha de filiação ao PSD em evento no Memorial
JK, em Brasília.
Mas o presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) e pré-candidato do PSD ao governo do Rio, Felipe Santa Cruz, vê
mais identidade entre Pacheco e Tancredo Neves, pelo estilo “calmo” e
“conciliador”, enquanto JK era mais ousado e destemido.
Nos capítulos dramáticos da história,
entretanto, Tancredo ergueu a voz. Na função de líder da maioria na Câmara dos
Deputados, Tancredo reagiu quando o presidente do Senado, Auro de Moura
Andrade, declarou vaga a Presidência da República em 2 de abril de 1964, com
João Goulart ainda no país. “Canalhas!”, acusou o mineiro, do plenário do
Congresso.
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