O Estado de S. Paulo
Quando a classe política e a sociedade no Brasil passarem a se concentrar no pleito de 2022, devem pensar na eleição que ocorreu em abril naquele país
A um ano das eleições presidenciais,
continua forte o ceticismo em relação ao surgimento de um movimento que crie
condições para evitar a divisão e superar a radicalização eleitoral. A baixa
presença na manifestação de 12 de setembro contra o governo e as pesquisas de
opinião reforçam a percepção de que o cenário eleitoral já está consolidado.
Muitos consideram como definitiva a predominância de duas candidaturas dos
extremos do espectro político nacional, contrapondo duas visões de mundo e de
solução para os impasses que a sociedade brasileira enfrenta. A confrontação e
o acirramento dos ânimos durante a campanha eleitoral e, depois, com o novo
governo, a partir de 1.º de janeiro de 2023, seriam inevitáveis como
consequências naturais deste cenário de polarização.
Essa percepção, hoje majoritária, traz à mente o que aconteceu na eleição presidencial que ocorreu no Peru em abril passado. O país viveu uma série de crises políticas, econômicas, sociais e de corrupção (que envolveu a Odebrecht), que trouxe forte instabilidade interna e uma profunda divisão do país. Neste contexto, a campanha eleitoral acirrou a radicalização política e surgiram mais de 15 candidatos à presidência, desde a esquerda radical, com candidato do Partido Comunista, até a extrema-direita, passando por mais de dez candidatos que se apresentavam como distantes dos dois polos políticos.
No primeiro turno, o candidato da esquerda
obteve 18% dos votos; a da direita, 13%; e os quatro candidatos de centro mais
votados somaram juntos mais de 30%. Dois terços dos eleitores não votaram em
nenhum dos dois candidatos e os votos nulos e brancos foram maiores do que os
recebidos pelo candidato mais votado. Foram para o segundo turno os
representantes dos extremos radicais. A divisão no país aumentou, o segundo
turno se realizou num clima de crescente radicalização e a diferença a favor da
esquerda foi mínima, o que acarretou contestação do resultado, com pedidos de
recontagem de votos e de anulação do pleito sob alegação de fraude.
Depois de mais de um mês, a corte eleitoral
confirmou o resultado das urnas e a esquerda tomou posse, formou um governo
precário e começou a pôr em ação sua proposta de mudança da Constituição. Em
pouco mais de 7 meses no comando do país, o presidente já enfrentou 3 crises
políticas, a economia continua desacelerada e os problemas econômicos e sociais
se acumulam.
Ao lembrar o que aconteceu no Peru,
poderíamos repetir o “eu sou você amanhã”? O exemplo do Peru deveria estar
presente a partir do momento em que a classe política e a sociedade brasileira
passarem a se concentrar na eleição. O resultado nas eleições da Alemanha
também é importante, pois os extremos, à direita e à esquerda, perderam para os
moderados do centro.
Os tempos da política vão se impor. Agora
não é o momento de discutir nomes. A hora é de criar condições para a união e,
sobretudo, a formação de um consenso em torno da ideia de que, para o Brasil,
não convém acentuar a divisão e a polarização. Manifestos e pronunciamentos de
empresários do setor financeiro, do agronegócio e da indústria defendem essa
convergência. Até o fim do ano, muita coisa vai acontecer, inclusive a
realização da prévia do PSDB para a escolha do candidato do partido para as
eleições de outubro de 2022. Com o resultado da prévia, escolhido o candidato,
na etapa seguinte as prioridades serão a busca da unidade partidária e a
coordenação com os outros partidos que pretendem lançar seus próprios nomes,
como o União Brasil, o PSD e o MDB.
A partir de abril, com o fim do prazo para
mudança de partido, até julho, quando ocorrerão as convenções partidárias,
começará a decantação dos nomes, longe dos extremos, para a necessária
convergência em torno daquele que, nas pesquisas de opinião, estará surgindo
como o possível galvanizador do apoio da opinião pública, com expectativa de
poder.
Não será fácil superar interesses e
vaidades pessoais. As pesquisas até aqui, embora indiquem a polarização entre
os extremos, mostram que mais de 50% dos consultados não votariam em nenhum dos
dois candidatos. Esses eleitores estão na expectativa do surgimento de um nome
que possa apresentar a esperança de um novo governo sem confrontação nem
radicalismos, mas com uma visão de futuro para a reconstrução do País, depois
da crise da saúde, com a pandemia, e da recuperação da economia, com a volta do
crescimento e da renda e a redução do desemprego.
A tendência será o fortalecimento desse
movimento, especialmente caso se confirmem as previsões de desaceleração da
economia, a queda dos investimentos, da percepção de que a corrupção sistêmica
vem aumentando e de que, se um dos candidatos dos extremos vencer, a governança
nos próximos anos se tornará ainda mais complicada. De julho até outubro
começará efetivamente a discussão de temas que atrairão a atenção do eleitor.
Não interessa à sociedade brasileira a
divisão política do “nós e eles”. Para enfrentar os desafios internos e
externos, o Brasil necessita de um governo que respeite a democracia e que
recoloque o País no caminho do crescimento, com mais educação e emprego e com
menos pobreza e fome.
*Presidente do Irice, é membro da Academia Paulista
de Letras
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