Valor Econômico
Brasil está na idade da pedra lascada no
debate sobre tributação, diz o professor Eduardo Fagnani, um dos organizadores
de um fórum internacional sobre o tema
O drible no teto de gastos para levar o
Auxílio Brasil para R$ 400 empurrará a despesa total da União de 17,5% para
18,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O cálculo feito pelo economista e
especialista em política fiscal Manoel Pires a pedido do Valor mostra que, mesmo
com gastos novos, o país caminha para o nível mais baixo de despesas em relação
ao PIB desde 2014.
Além disso, ela ficará bem inferior ao que
havia antes da pandemia e no fim do governo Temer, e, descontada a inflação,
deve ter queda ante 2021.
As estimativas estão em linha com o que foi
mencionado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que, em meio pânico no
mercado, tentou destacar que vai entregar as despesas abaixo do que recebeu,
fato incomum na história recente do país.
Com base nesses dados é natural que se questione se o mercado não estaria exagerando em sua reação aos eventos da semana passada, como indicam Guedes e assessores próximos a ele. Ainda mais porque o movimento agora, quando se burlou o teto para melhorar a situação dos menos favorecidos (ainda que com intenções e soluções eleitoreiras), foi muito mais violento do que quando se enviou a controversa PEC dos Precatórios ao Congresso.
Julgar o mercado é tarefa complicada, dado
que nele há uma profusão de visões e interesses. Mais importante é tentar
entender como se chegou no choque da semana passada. Se a equipe de Guedes tem
razão ao criticar o núcleo político do governo, que, mirando a eleição, o
“sitiou” para fazer valer um Auxílio Brasil maior que R$ 300, a área econômica
também ajudou a construir o problema.
A combinação de soluções temporárias (como
a calamidade pública até dezembro de 2020 e a retomada do auxílio de abril a
outubro, sem estratégia de saída, como se o coronavírus obedecesse os desígnios
fiscais) com a aposta em projetos polêmicos (PEC dos Precatórios e reforma do
IR) formou o substrato que levou à crise instalada semana passada.
Sem avançar com o IR no Senado e
pressionados pelo tempo, Guedes e equipe foram emparedados e tiveram de aceitar
não só um valor maior para o sucessor do Bolsa Família, mas também ajuda a
caminhoneiros e mais verbas para parlamentares.
Na falta daquilo que consideravam uma boa
solução, ficaram com uma péssima: uma pirueta contábil (a oportunista mudança
de prazo do indexador que corrige o teto), que machucou a âncora fiscal e
mostrou que o chefe da Economia está politicamente fragilizado, o que é
perigoso.
Esse quadro ajuda a entender o porquê de,
apesar desse aumento de gastos não ser nenhuma tragédia fiscal em si, os ativos
financeiros terem piorado tanto, ainda que possa estar, como enxerga a Economia
e alguns analistas, havendo exageros.
Manoel Pires destaca que as soluções
encontradas foram ruins porque criam incerteza fiscal para o futuro, ainda que,
em sua visão, fosse necessário um valor maior para o programa social, pelo
agravamento da pobreza no país.
“O Auxílio Brasil tem uma questão
eleitoreira, que é a ampliação temporária do valor, até o fim de 2022. E tem
uma bola de neve na discussão dos precatórios, que vai ser inevitável se
trabalhar no futuro. As soluções deles são temporárias e ensejam riscos
econômicos e sociais para frente”, disse, apontando que a situação enseja mais
perguntas do que respostas, dificultando a mensuração desses riscos. Nesse
contexto, diz, o governo não consegue atrair a atenção dos investidores para a
melhora dos dados fiscais.
Para o economista-chefe da MB Associados,
Sergio Vale, o problema é a quebra de um regime, independentemente dos números.
“Isso passa a ideia de que o fiscal não consegue ser disciplinado por regras no
Brasil e isso que é grave. Dizer que a despesa vai cair pela inflação não é uma
mudança estrutural, mas uma gambiarra ruim.”
Segundo ele, o mais grave é o que chama de
“displicência com regras fiscais de um ministro que se esperava total dedicação
ao equilíbrio fiscal”. Vale diz que havia tempo para encontrar uma solução
dentro do Orçamento. A consequência disso, aponta, será crescimento baixo por
anos.
Samuel Kinoshita, economista e ex-assessor
especial de Guedes, avalia que o teto de gastos foi “trincado” e isso gera
custos, pela perda de uma bússola relevante de solvência fiscal. Ele aponta que
ainda é possível conter os danos e diminuir o estresse se o governo for efetivo
em mostrar que até o fim do ano que vem não haverá novas medidas que desgastem
esse mecanismo, uma engenharia de ancoragem fiscal que ajuda a sociedade a ter
um horizonte mais claro de controle da dívida e solvência do Estado.
“Se conseguirem mostrar um compromisso
peremptório com isso, os ativos podem ganhar perspectiva melhor de médio e
longo prazo”, afirmou.
Ele ressalta a importância do teto, mas
aponta que ele não deveria ser tratado com devoção religiosa. Para 2023, diz,
há um “encontro marcado” do governo, seja ele qual for, com um redesenho do
arcabouço fiscal, que tem muitas regras. O ideal, pondera, seria rever esse
conjunto, melhorando o processo de gestão fiscal e a coordenação das
expectativas, em um modelo crível e gerador de perspectiva benigna para a
relação dívida/PIB.
Mesmo com dados fiscais não desprezíveis, a
reação violenta do mercado deveria servir de lição. Não para que este e os
futuros governos se submetam ao pensamento dominante de investidores, mas para
que aprendam a escutar até adversários, buscando soluções que atendam curto e
longo prazos, sem atalhos.
Pedra lascada
“O Brasil está na idade da pedra lascada no
debate sobre tributação. Aqui não prosperam, sequer, ideias de justiça fiscal
que estão sendo propostas por organismos que fazem parte do establishment das
finanças globais (como FMI, OCDE e ONU) ou por governos liberais dos países
centrais.” A conclusão é do professor Eduardo Fagnani, um dos organizadores do
Fórum Internacional de Tributação (FIT 21). Para ele, no Brasil há décadas é
debatido como “simplificar” a tributação do consumo, enquanto se esquece que
“somos um dos países mais desiguais do mundo e a nossa tributação é uma das
mais regressivas na comparação internacional”.
Esse colunista participou de um dos painéis
no qual os palestrantes mostraram que no mundo e na região, o Brasil está
atrasado nesse tema. E, dada a reação à reforma do IR, assim deve seguir por
mais tempo.
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