O Estado de S. Paulo
Mundo moderna é diferente de quando impérios
se impunham pela conquista militar
O milagre ucraniano poderá durar pouco. A
tentativa de Vladimir Putin de vencer
rapidamente, numa boa, tomando grandes cidades com forças relativamente
brandas, enfrentou grande resistência, mas os tanques e as armas mais pesadas
estão a caminho. E apesar do incrível heroísmo do povo da Ucrânia, o mais provável ainda é
que a bandeira russa seja eventualmente hasteada em meio aos escombros de Kiev e Kharkiv.
Mas mesmo se isso acontecer, a Federação Russa ficará mais fraca e mais pobre do que era antes da invasão. Conquistar não compensa.
Por que não? Se olharmos para a história,
veremos muitos exemplos de países que enriqueceram por meio do poderio militar.
Os romanos certamente lucraram com a conquista do mundo helênico, assim como
a Espanha com a conquista dos
astecas e dos incas.
Mas o mundo moderno é diferente — e por
“moderno" quero dizer pelo menos a partir de um século e meio atrás.
O autor britânico Norman Angell publicou
seu famoso tratado “A grande ilusão” em 1909 argumentando que a guerra se
tornara obsoleta. Seu livro foi amplamente mal interpretado, como se afirmasse
que a guerra não poderia mais acontecer, hipótese que se provou horrivelmente
equivocada nas duas gerações que se seguiram. Mas o que Angell afirmou, na
verdade, foi que os vencedores de uma guerra não seriam mais capazes de obter
nenhum lucro de seu sucesso.
E ele certamente estava correto sobre isso. Todos agradecemos pelos Aliados terem prevalecido na 2.ª Guerra, mas o Reino Unido emergiu como uma potência diminuída, sofrendo em meio a anos de austeridade enquanto lutava contra escassez de divisas estrangeiras. Até mesmo os Estados Unidos tiveram um ajuste pós-guerra mais difícil do que muitos se dão conta, experimentando um período de aumentos de preços que ocasionaram inflação acima de 20%.
E pelo outro lado, mesmo a derrota absoluta
não evitou que Alemanha e Japão eventualmente alcançassem prosperidades sem
precedentes.
Por que e quando a conquista deixou de ser
rentável? Angell argumentou que tudo mudou com a ascensão de uma “interdependência
vital” entre as nações, “cortando transversalmente fronteiras internacionais”,
o que ele sugeriu ser “amplamente obra dos últimos 40 anos” — começando ao
redor de 1870. Pareceu um palpite razoável: foi por volta de 1870 que
ferrovias, barcos a vapor e telégrafos tornaram possível a criação do que
alguns economistas qualificam como a primeira economia global.
Nessa economia global é difícil conquistar
outro país sem extirpar esse país — e a si mesmo — da divisão internacional do
trabalho, sem mencionar o sistema financeiro internacional, sob um grande
custo. Podemos ver essa dinâmica ocorrendo em relação à Rússia neste momento.
Angell também enfatizou os limites do
embargo numa economia moderna. Não podemos simplesmente confiscar ativos industriais
da maneira que conquistadores pré-industriais confiscavam território, porque
confiscos arbitrários destroem incentivos e o senso de segurança de que
sociedades avançadas precisam para permanecer produtivas. Novamente, a história
comprovou sua análise. Por um certo período, a Alemanha nazista ocupou países
que possuíam antes da guerra produtos internos brutos duas vezes maiores que o
seu — mas apesar da implacável exploração, os territórios ocupados parecem ter
pagado por apenas cerca de 30% do esforço de guerra alemão, em parte porque
muitas das economias que a Alemanha tentou explorar ruíram sob seu jugo.
Um aparte: Não é excepcional e terrível nos
encontrarmos numa situação em que os fracassos econômicos de Hitler nos dão
lições úteis sobre prospectos futuros? Mas aí estamos. Obrigado, Putin.
Eu acrescentaria outros dois fatores para
explicar por que conquistar é inútil.
O primeiro é que a guerra moderna usa uma
incrível quantidade de recursos. Exércitos pré-modernos dispunham de
quantidades limitadas de munição e eram capazes, em certo grau, de viver da
terra. Em 1864, as tropas do general no Exército da União William Tecumseh
Sherman conseguiram se desligar de suas linhas de abastecimento e marchar sobre
a Geórgia supridas com mantimentos suficientes apenas para 20 dias. Mas
exércitos modernos requerem grandes quantidades de munição, peças de reposição
e, acima de tudo, combustível para seus veículos. E de fato, as mais recentes
informações de inteligência do Ministério da Defesa britânico dão conta de que
o avanço russo na direção de Kiev empacou temporariamente “provavelmente como
resultado de contínuas dificuldades logísticas”. O que isso significa para
pretensos conquistadores é que a conquista, mesmo se bem-sucedida, é
extremamente cara, o que torna mais difícil ainda que se
pague.
O segundo é que vivemos atualmente num
mundo de nacionalismos apaixonados. Camponeses da Antiguidade e da Idade Média
provavelmente eram indiferentes em relação a quem os explorasse; trabalhadores
modernos não são. A tentativa de Putin de tomar a Ucrânia parece ser
fundamentada não apenas em sua crença de que a nação ucraniana não existe, mas
também na presunção de que os próprios ucranianos podem ser persuadidos a se
considerar russos. Parece muito improvável isso acontecer, então mesmo se Kiev
e outras grandes cidades caírem, a Rússia levará anos tentando conter uma
população hostil.
Portanto, a conquista é uma proposta
fracassada. Isso é verdadeiro pelo menos há um século e meio; isso é óbvio para
qualquer um disposto a analisar os fatos ocorridos por mais de um século.
Desafortunadamente, ainda existem doidos e fanáticos que se recusam a acreditar
nisso — e alguns deles controlam nações e exércitos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
*Paul Krugman é professor do City University of New York e ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2008
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