Folha de S. Paulo
Itamaraty condena russos na ONU enquanto
presidente conta com boa vontade particular de Putin
Jair Bolsonaro fez uma incomum exibição de
pragmatismo ao justificar a hesitação do governo brasileiro diante da invasão
da Ucrânia. O presidente convocou uma
entrevista no meio de sua folga de Carnaval para dizer que o país
evitava condenar a guerra por temer retaliações russas no comércio
internacional. "Para nós, a questão do fertilizante é sagrada",
declarou.
Descontado o excesso de franqueza, a explicação poderia passar a imagem de que Bolsonaro se rendeu a uma diplomacia de resultados. O Brasil depende de fertilizantes importados, e a Rússia é a origem de quase 25% desse material. O presidente, porém, derrapou na ilusão de "neutralidade" com que tentava embasar sua posição.
Bolsonaro poderia proteger os interesses
econômicos do Brasil sem endossar um dos lados e ofender o outro. Na entrevista
de domingo (27), o presidente disse que não tinha nada a conversar com o colega
Volodimir Zelenski e, de forma gratuita, fez
pouco caso da carreira pretérita do líder ucraniano. "O povo confiou
num comediante o destino de uma nação", ironizou.
Sem nenhuma cautela, Bolsonaro também
encampou parte dos argumentos do Kremlin a favor da invasão. Afirmou que
"grande parte da população da Ucrânia fala russo" e alegou que
Vladimir Putin só estava "se empenhando" em regiões separatistas do
Sul do país. Naquele dia, tropas da Rússia já se aproximavam da capital
ucraniana.
A devoção aos fertilizantes produziu uma
generosidade que contrasta com as birras do presidente com outros países. O
bolsonarismo manteve uma política de insultos à China mesmo dependendo de seus
insumos para fabricar vacinas. A parceria
militar brasileira com a França também nunca impediu o governo de
atacar Emmanuel Macron.
Bolsonaro quer dissociar suas atitudes do
comportamento da chancelaria brasileira. Enquanto o Itamaraty condena os russos
na ONU, o presidente parece contar com uma boa vontade particular de Putin.
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