O Globo
O ministro das Relações Exteriores arrumou
uma nova tarefa. Virou dublê de intérprete presidencial. Acostumado a aprender
idiomas, Carlos França abraçou um desafio mais ousado. Vai se dedicar a
traduzir o bolsonarês para o mundo.
No domingo, o capitão interrompeu a folia
para avisar que não pretende criticar a invasão russa da Ucrânia. A guerra já
estava no quarto dia, mas ele alegou que ainda queria “entender o que está acontecendo”.
“Não vamos tomar partido. Nós vamos continuar pela neutralidade”, sentenciou.
Na segunda-feira, França tentou explicar
que Bolsonaro não disse o que disse. “Quando o presidente usou neutralidade, é
no sentido de imparcialidade. Não é no sentido de indiferença”, esclareceu, em
entrevista à GloboNews.
Sem autonomia para cuidar da política
externa, o chanceler pode justificar o salário na nova função. Afinal, um
tradutor do bolsonarês teria poupado o país de muitos traumas recentes. Na
posse, quando o capitão prometeu “valorizar a família”, o intérprete explicaria
que ele se referia a todas as famílias. E não só à própria, mimada com
rachadinhas e mordomias federais.
Ao anunciar que “acabou com a Lava-Jato”, Bolsonaro não confessou ter nomeado um engavetador para proteger corruptos. Apenas pretendia rebatizar a operação, já que o nome original é ecologicamente incorreto e incentiva o desperdício de água.
Quando informou que “os caras querem é a
nossa hemorroida”, o presidente não quis dizer nada daquilo que o leitor está
pensando. O objetivo era motivar a população a visitar os médicos
especializados em distúrbios do aparelho digestivo.
As ameaças ao Supremo Tribunal Federal
também não teriam passado de mal-entendidos. Ao chamar o ministro Alexandre de Moraes
de “canalha”, Bolsonaro usava o tom carinhoso dos cariocas que se reencontram
no bar depois de muito tempo afastados: “Saudade, seu canalha!”.
Ao acrescentar que descumpriria as próximas
decisões do ministro, o capitão não incitou a quebra da ordem constitucional.
Apenas queria ressaltar a perfeita harmonia entre os Poderes. Como diria o
general Pazuello, democracia é simples assim: um manda e o outro obedece.
O intérprete França também poderia ter
salvado a pátria quando o chefe declarou, em tom furibundo, que “quando acaba a
saliva, tem que ter pólvora”. Na verdade, Bolsonaro nunca quis provocar uma
crise desnecessária com os Estados Unidos, maior potência militar do mundo. Em
caso de dúvida, é só perguntar ao Putin.
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