O Estado de S. Paulo
Não nos enganemos. A injustificável invasão
da Ucrânia pela Rússia tem apoio tanto de Bolsonaro como de Lula
A incapacidade de nossas elites dirigentes
de identificar o interesse nacional, que as impele a subir no muro sempre que a
realidade impõe uma escolha clara, produziu um efeito surpreendente na guerra
desencadeada pela criminosa invasão da Ucrânia pela Rússia. Desta vez, o Brasil
optou – com firmeza – pelo lado errado.
Inspirado, senão incentivado, por seu
mentor, Donald Trump, admirador declarado de Vladimir Putin, o líder brasileiro
viajou a Moscou duas semanas antes do ataque para posar em casa de mediador,
papel que não tem condição intelectual ou política para exercer. Na volta,
justificou a viagem afirmando que ela fora motivada pela preservação de
interesses comerciais do País – hoje reduzido a um fazendão exportador de
matérias-primas agrícolas e minerais de baixo valor agregado.
Vozes dissonantes, como a do vice-presidente Hamilton Mourão, e inúmeras outras manifestações indicam que a sociedade brasileira não aprovou a embaraçosa sortida diplomática de Bolsonaro e está alinhada com a comunidade internacional na condenação da Rússia, patente desde o início do conflito e expressa pela esmagadora maioria dos países-membros das Nações Unidas na segunda-feira passada. Mas não nos enganemos.
A posição assumida pelo capitão presidente
tem respaldo na direita e na esquerda brasileiras. Ela foi endossada pelo
ex-chanceler Celso Amorim, principal porta-voz e conselheiro do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais. Espantosamente, Amorim
defendeu a viagem de Bolsonaro à Rússia em entrevista ao blog de Bela Megale,
no O Globo, como uma decisão correta. “Foi a viagem certa, no momento certo,
com a pessoa errada, mas a pessoa que tem, né?” O ex-chanceler justificou a
viagem de Bolsonaro dizendo que denunciar a Rússia seria “um sinal de submissão
a uma agenda de Washington que não tem cabimento”. A declaração de Amorim torna
explícita a posição petista de se opor aos Estados Unidos mesmo quando a
postura americana tem o respaldo de todas as democracias dignas de respeito na
Europa, nas Américas, no Japão e em toda parte.
Da declaração de Amorim se conclui que,
estivesse ele de volta ao governo com Lula, o apoio do Brasil à invasão da
Ucrânia teria sido uma decisão perfeita e irrepreensível. Mas os cidadãos e
cidadãs brasileiros concordam com tamanha estupidez?
Não se trata de pergunta retórica. A
continuar o franco favoritismo do ex-presidente nas enquetes de opinião sobre
as eleições presidenciais de outubro, a tese petista passará por um teste de
realidade, já que as consequências militares, humanitárias, políticas e econômicas
da inominável agressão russa a seu vizinho estarão vivas e presentes se o líder
do Partido dos Trabalhadores for reconduzido ao poder, em janeiro do ano que
vem.
Ações, declarações e posicionamentos do
governo ilustram já há algum tempo a desorientação e perda de relevância
internacional do Brasil – um país à deriva, desfigurado pela mediocridade, pela
pusilanimidade e pelo despreparo de seus líderes para atuar nos tabuleiros
internacionais que interessam ao Brasil.
Este não é o primeiro grande fiasco da
diplomacia brasileira. Mas será o mais danoso. Doze anos atrás, estimulado pelo
então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a colocar seu considerável
prestígio internacional a serviço da negociação de um acordo nuclear entre o
Irã e os cinco membros permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas,
Lula, aconselhado por Amorim, anunciou em Teerã, com estardalhaço, as bases de
um entendimento que alinhavara com o então presidente do Irã, Mahmoud
Ahmadinejad, e o líder da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, um autocrata até hoje
no poder. Surpreendidos pelo anúncio público de princípios de um entendimento
sobre o qual não haviam sido consultados, os governos de Estados Unidos,
Rússia, China, França e Inglaterra bloquearam a presepada e aprovaram sanções
contra o Irã por violação de seus compromissos de signatário do Tratado de Não
Proliferação Nuclear.
O episódio levou a um curto-circuito das
relações entre o Brasil e os Estados Unidos nunca superado e apenas remediado
no governo de Dilma Rousseff, graças ao interesse de Washington de ver o Brasil
numa posição de protagonista nas negociações da Convenção da ONU sobre Mudanças
Climáticas em Glasgow, no ano passado, que Bolsonaro fez de tudo para sabotar.
A crise internacional desencadeada pela
insana irresponsabilidade de Putin é a mais grave desde o fim da guerra fria e
não deixa espaço para poses diplomáticas. Isolado e desacreditado, o Brasil
pagará alto preço pela insensatez do apoio de Bolsonaro a Putin e o endosso de
Lula, via Amorim, ao tresloucado gesto. E é bom que pague, para aprender a se
comportar como a nação digna e civilizada que julga ser.
*Jornalista, é pesquisador sênior do Brazil Institute no Wilson Center, em Washington
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