O Globo / Folha de S. Paulo
Ouça o chanceler, como ouvi o Osvaldo
Aranha
Prezado presidente,
O senhor não gosta de mim, e a recíproca é
verdadeira. Escrevo-lhe para sugerir alguma cautela diante da guerra europeia.
Pretendo ater-me aos cuidados que tive entre agosto e setembro de 1941, quando
a tropa alemã entrou em Kiev. Como o senhor sabe, Hitler invadiu a Rússia em
junho num ataque fulminante e, em agosto, estava nas proximidades da capital da
Ucrânia, a caminho de Moscou. Foi uma guerra diferente na forma e no conteúdo,
mas vou lhe contar o que acontecia no Palácio do Catete e outras coisas que eu
só soube quando vim para cá.
A invasão da Rússia já tinha data marcada
quando o presidente americano Franklin Roosevelt mandou ao Rio um escultor para
fazer meu busto. Dois dos meus conselheiros, os generais Dutra (ministro da
Guerra) e Góes Monteiro (chefe do Estado-Maior) achavam que a máquina alemã
seria invencível na Rússia.
Nenhum de nós sabia que o secretário da Guerra, Henry Stimson, estava de olho no Brasil. Três dias antes da invasão da Rússia, ele escreveu ao presidente, temendo que os alemães pulassem do Norte da África sobre o nosso território. (A menor distância para atravessar o Atlântico Sul vai da costa africana ao Saliente Nordestino.) Lembro-lhe que os Estados Unidos não haviam entrado na Guerra, mas queriam “salvar o Brasil”. Como? Instalando uma base no Nordeste.
Eu mandava sinais aos dois lados. Quando
falei nos riscos do “capitalismo financeiro cosmopolita”, o embaixador
americano assustou-se. O alemão acreditava que o Brasil estava afastado dos
Estados Unidos. Muita gente supunha que os russos estavam perdidos, imagine que
chegaram a tirar a múmia do Lênin de Moscou.
Os americanos mandaram para cá um coronel
que reclamava do Dutra e do Góes. Os alemães talvez soubessem de alguma coisa,
porque viram o Churchill no Rio Grande do Norte. Parolagem.
Na bolha do Palácio do Catete, tudo ia bem.
Minha mulher deu uma linda festa no Theatro Municipal, e a Academia Brasileira
de Letras elegeu-me para a cadeira que tem como patrono o Tomás Antônio
Gonzaga. A favor dos americanos, ouvia-se, exaltado, o chanceler Osvaldo
Aranha, que investiu contra o Góes e o Dutra. Isso no dia em que começou a
batalha de Kiev.
E eu equilibrando-me. Os americanos mandaram
para cá até o Walt Disney. Queriam nos ensaboar.
No fim de setembro, os alemães entraram em
Kiev. Eu me aborrecia com a insistência dos americanos para construir bases
aéreas e navais no Brasil, mas, desde o primeiro momento, alinhei-me com
Roosevelt. Não me passava pela cabeça ficar contra os Estados Unidos, mas eles
não estavam na guerra.
Eu não sabia, mas podia intuir, que os
americanos planejavam um desembarque em Natal. Também podia intuir que o Japão
iria à guerra contra os Estados Unidos, mas nunca da maneira que o fizeram.
Como o senhor sabe, o Japão atacou, liberei
a construção da base de Natal, e ela foi uma das principais pistas de pouso dos
aviões americanos. Declarei guerra ao Eixo e, depois do desembarque Aliado na
Europa, nossa Força Expedicionária chegou à Itália. Equilibrei-me. Tivesse
ouvido o Góes, o Dutra e alguns conselheiros em 1941, e estaria frito.
Ouça o chanceler, eu ouvia o Aranha.
Respeitosamente,
Getúlio Vargas.
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