Folha de S; Paulo
Eventual ataque especulativo pode destruir
moeda única; risco é remoto, mas existe
O título desta coluna é inspirado no livro de
Alberto Bagnai, polímata, professor (e atualmente deputado) italiano que
escreveu "Il Tramonto Dell'Euro", em 2012. Ele defendia a saída do
país da zona do euro, embora hoje se concentre em combater a multiplicação de
regulações ineficientes da União
Europeia.
Somos amigos e discordava da sua posição, mas devo admitir que os custos sociais da moeda única estão aumentando. Parte é azar, mas o principal motivo é o abandono informal do Tratado de Maastricht.
A era de ouro da moeda europeia durou de 1999
a 2008, quando a zona do euro crescia mais de 3% ao ano, com os países menos
ricos crescendo mais de 5%. O euro era uma força centrípeta, contribuindo para
a convergência econômica europeia. O bolo crescia e se dividia melhor. Como os
países do "norte" cresciam relativamente menos, isso limitava a
valorização da moeda, ajudando a competitividade regional.
A crise financeira global virou o cenário de
cabeça para baixo. O "sul" europeu foi mais afetado. O euro passou a
ser força centrífuga, com cada país por si e o BCE (Banco Central Europeu) por
todos.
O gigantesco saldo comercial alemão também
contribui para um euro caro mesmo com a economia da
região andando de lado. Essa valorização virou obstáculo extra para o sul
europeu no pós-crise.
Além disso, união monetária sem união fiscal
só é sustentável enquanto investidores considerem que países-membros são
solventes. A crise
grega de 2012 é um exemplo.
O Estado estava quebrado, e os investidores
debandaram, com os juros de longo prazo passando de absurdos 130% ao ano. O euro só não colapsou porque o
presidente do BCE, passando por cima de várias instituições europeias, declarou que faria "tudo o que fosse necessário" para
estabilizar a moeda.
O Tratado de Maastricht deveria sustentar o
euro ao estabelecer, em regras gerais, dois limites para todos os
países-membros: déficit anual máximo de 3% do
PIB e dívida total de 60% do PIB. Isso funcionou até a
Alemanha, hoje forte defensora de austeridade fiscal na região, ultrapassá-los.
A desculpa era a necessidade de acelerar a
integração de cinco estados que formavam a antiga Alemanha Oriental e iam mal.
A Franca se sentiu no direito de fazer o mesmo. Os ministros desses países
mandaram Romano Prodi, chefe da Comissão Europeia, "calar a
boca" quando ele levantou a possibilidade de punir as maiores
economias do bloco.
Com porteiras abertas, hoje a média da dívida
pública na zona do euro é de 88%, e só 13 países têm dívida abaixo dos 60% do PIB. Uma solução seria um
Orçamento europeu centralizado, algo politicamente impossível.
Esse é o impasse hoje. O euro dificulta a
convergência econômica, embora seus benefícios continuem intactos, como
facilitar o comércio intrarregional. Um eventual ataque especulativo pode
enfraquecer ou até mesmo destruir a moeda única. Bagnai considerava isso quase
inevitável, sendo melhor abandonar o euro coordenadamente para que os países
começassem a longa caminhada de recuperação.
Antes, diria que não haveria chance de tal
ataque. Hoje, ela existe. É ainda remota, mas isso pode mudar. Os
títulos americanos balançaram. Se acontecer o mesmo com os europeus?
Ninguém sabe onde isso poderia acabar.
*Professor da New York University Shanghai
(China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ
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