O Globo
Piadas
não matam. O que mata é a violência, da polícia, dos traficantes, das milícias.
É o desvio de bilhões dos pensionistas
Um
humorista foi condenado a oito anos de prisão (e a pagar indenização
milionária) por fazer piadas. Piadas ruins, mas, ainda assim, piadas. Que não
zoavam militares, juízes, padres e outros senhores do poder divino ou temporal.
Os intocáveis de hoje são as minorias, essa coisa difusa que, em última
instância, inclui todo mundo. Some mulheres, idosos, crianças,
afrodescendentes, indígenas, judeus, crentes, gays, trans, calvos, pais de pet,
periféricos, gordos, nordestinos, pessoas com deficiência, HIV ou disfunção
erétil — e veja quem sobra.
A
sentença diz que o humorista reproduz “discursos e estereótipos que incentivam
a perseguição religiosa, a exclusão das minorias e discriminação contra pessoas
com deficiência”. Como nos tempos da TV a lenha, quando os intérpretes de
vilões de novelas eram xingados nas ruas (e jamais convidados a apresentar
bailes de debutantes), a juíza não entendeu a diferença entre o artista e a
persona cômica. Não sabe que rir da piada em que a velhinha leva um tombo é
diferente de empurrar uma velhinha escada abaixo.
O Barão de Itararé também foi preso — era o governo Vargas. Juca Chaves foi preso, a turma do Pasquim foi presa — era a ditadura militar. As piadas, nesses casos, eram ótimas, mas o que incomoda não é a qualidade do humor, e sim se o alvo da risada tem poder de decidir sobre aquilo de que se pode rir e sobre o que se deve calar. O Barão pendurou na porta de sua sala o cartaz “Entre sem bater”. Pode ser a hora de deixar um “Entre sem prender” na bilheteria dos espaços onde adultos pagam para o ato consensual de rir do que acham risível.
Não,
piada não é discurso de ódio. Isso fazem os neonazistas, ao pregar expulsão,
segregação ou eliminação de imigrantes, refugiados e outros grupos
“inferiores”. É o que faz a extrema esquerda, que, sob o pretexto de defender
palestinos, apoia a aniquilação do Estado de Israel (consequentemente, de boa
parte da população judaica). Ou os que negam aos palestinos o direito a um
Estado e propõem seu extermínio.
Piada
não é incitação ao crime. Incitação ao crime é: Oi, na VK os menor te
acerta/Só soldado bom de guerra/Que te mira e não te erra/Só AKzão na
favela/Com vários pentão reserva/Aonde entrar, cês leva(...)É bala nos três cu,
é bala nos três cu/De 62 é só papum e os alemão aqui nem tenta/De Glock e de
radin, fumando um baseadin/Destrava o G3zão que se piar, nós quebra. Para
surpresa de ninguém, MC Poze (como a maioria dos que promovem a violência e o
tráfico) segue livre, leve e solto.
Piadas
não matam. O que mata é a violência — da polícia, dos traficantes, das
milícias. É o desvio de bilhões dos pensionistas do INSS —
e os mais de 11 milhões de requerimentos à espera de análise. A falta de
saneamento, de comida, de hospitais — a verba para isso o governo prefere
gastar em propaganda, mordomias, compra de apoio.
Se
for para condenar piada, que seja a de jornalista ter virado ré por divulgar os
supersalários indecentes no Judiciário. A de os Correios — aparelhados por um
partido político — darem prejuízo e não terem dinheiro para comprar envelope. A
de magistrados não se sentirem impedidos de julgar casos que envolvam seus
familiares.
Levar
a sério uma piada é que é uma piada. A TV Pirata fazia isso, com o “Piada em
debate”. Recomendo a quem ainda não entendeu que liberdade de expressão não foi
feita só para aquilo com que a gente concorda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário