Valor
Econômico
Preocupação da próxima gestão
do STF será evitar que ocorra o primeiro impeachment de ministro do Supremo da
História
Há ocasiões em que o homem público tem a convicção de que seus
atos - ou a deliberada omissão - transcenderão os limites temporais do mandato
que ocupa. Tem hora que a autoridade sente o peso e a responsabilidade da
História.
Esta quarta-feira, 6 de agosto de 2025, é um dia desses. E
diante das sanções anunciadas pelos Estados Unidos ao Brasil, integrantes das
cúpulas dos Poderes Executivo e Judiciário têm dado sinais de que estão cientes
dessa circunstância.
Auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizem ter a certeza de que o chefe vive dias assim. Segundo relatos, suas reflexões têm ido além do necessário plano de contingência para mitigar os efeitos do tarifaço imposto por Donald Trump sob condições escorchantes. No Palácio do Planalto, acredita-se que o presidente americano escolheu Lula, nome de destaque na esquerda mundial, como alvo prioritário de seus ataques globo afora.
Gustavo Petro,
presidente da Colômbia, até que tentou fazer um contraponto ao líder americano.
Não segurou o tranco. Em janeiro, levou poucas horas para recuar da decisão de
não aceitar o retorno de imigrantes ilegais deportados pelos EUA, depois que
Trump ameaçou impor tarifas adicionais de 25% sobre todas as exportações
colombianas para os Estados Unidos. Também haverá eleições presidenciais no
país vizinho em 2026, onde hoje a reeleição está proibida.
Há sensação semelhante entre diplomatas. Um deles lembra que há
tempos não se vive um momento em que o secretário de Estado dos EUA acumula a
função de conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, feito realizado por
Marco Rubio desde maio. O último que exerceu os dois estratégicos cargos ao
mesmo tempo foi o poderoso Henry Kissinger durante governos republicanos na
década de 1970.
Em Brasília, é verdade, há dúvidas sobre o real poder de
ingerência de Marco Rubio nos meandros das negociações comerciais. Mas nem de
longe se relativiza a sua capacidade de influenciar o processo decisório
liderado por Trump nos assuntos de política externa e segurança.
Deve-se lembrar que Rubio recebeu o chanceler Mauro Vieira para
uma reunião em Washington na quarta-feira (30), mesmo dia em que os EUA
sancionaram o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes
com a Lei Magnitsky e Trump anunciou o tarifaço de 50% sobre os produtos
brasileiros. Em pronunciamento à imprensa depois do encontro, Vieira destacou
que enfatizou ao seu interlocutor ser inaceitável e descabida a ingerência na
soberania nacional no que diz respeito a decisões do Poder Judiciário. Em sua
fala, citou inclusive a condução do processo judicial da trama golpista pelo
STF, relatado por Alexandre de Moraes, no qual o ex-presidente Jair Bolsonaro é
réu e deve ser condenado.
Poucos dias depois, em discurso durante comemoração dos 80 anos
do Instituto Rio Branco, o ministro das Relações Exteriores foi além. “Vivemos
um mundo em crescente desordem, em que se acelera a fragmentação de regras e
regimes construídos para moldar o convívio entre as nações. Assistimos em tempo
real - cada um de nós - a cenários distópicos e situações antes inimagináveis”,
disse, acrescentando ter orgulho e sentido de responsabilidade em liderar o
Itamaraty na defesa da soberania nacional de ataques orquestrados por
brasileiros em conluio com forças estrangeiras. Ele sabe que o anúncio das
sanções americanas e a resposta brasileira aos EUA não ficarão restritos a um
pé de página.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, também deu
dimensão histórica à retomada dos trabalhos do Judiciário após o recesso.
Em seu discurso, citou diversos capítulos do período republicano
em que a institucionalidade e a Corte estiveram sob ataque. Começou com a crise
protagonizada por Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, passando pelas
tentativas de golpes do movimento tenentista, as revoluções de 1930 e 1932, a
Intentona Comunista de 1935, o golpe do Estado Novo de 1937 e a destituição de
Getúlio Vargas em 1945. Seguiu com o contragolpe preventivo do Marechal Lott
para assegurar a posse de Juscelino Kubitschek em 1955, as duas rebeliões
contra Juscelino, o veto dos ministros militares à posse do vice-presidente
João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros em 1961 e, finalmente, o golpe
militar de 1964. Também listou as violências contra o próprio STF. Está sendo
escrito, neste momento, mais um episódio que irá figurar nessa lista.
Mas também seu sucessor a partir de setembro no comando da
Corte, o ministro Edson Fachin, demonstrou recentemente em público estar ciente
da missão que assumirá. Em palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso na
segunda-feira (4), falou sobre como a complexidade do sistema partidário
brasileiro tem influenciado o equilíbrio entre os Poderes e, nesse contexto,
como o Judiciário deve atuar com consciência histórica para assegurar a saúde
do ambiente político-institucional.
Com Fachin à frente pelos próximos dois anos, o STF terá como desafio atuar com contenção estratégica para proteger a democracia sem tentar governá-la. Uma preocupação da próxima gestão, em parceria com os demais Poderes, será evitar que ocorra o primeiro impeachment de ministro do Supremo da História.
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