quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Por que o bolsonarismo voltou às ruas? - Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Protestos reafirmam a identidade tribal bolsonarista e buscam legitimidade simbólica

Ao que tudo indica, o bolsonarismo voltou às ruas. Já não se veem as multidões impressionantes de 2016 a 2020, tampouco as mobilizações alcançam a escala nacional dos tempos gloriosos do movimento —mas cumprem bem a função que o consórcio Bolsonaros-Malafaia lhes designou.

Em uma época em que a presença digital e a política institucional são, de longe, mais efetivas do que 30 ou 40 mil pessoas aglomeradas ao redor de um carro de som, "as ruas" passaram a ter valor sobretudo simbólico e psicológico.

A nova extrema direita aprendeu com a esquerda tradicional, igualmente populista, que "ocupar as ruas" com multidões mobilizadas confere a qualquer causa um selo de legitimidade que a política institucional raramente alcança. Nesse sentido, 50 mil pessoas reunidas num domingo teriam mais valor simbólico como expressão da soberania popular do que os 513 deputados eleitos e os 120 milhões de votos depositados nas urnas.

Reunir uma multidão é enviar uma mensagem: se querem saber o que o povo quer, eis aqui o povo manifestando sua vontade. Com isso, o populismo de direita derrota a esquerda no seu próprio jogo, já que esta, que antes dominava nitidamente as praças, já não consegue, como antes, levar multidões significativas às ruas —salvo em ocasiões excepcionais. E é aí que entra o segundo ponto de interesse da extrema direita nas manifestações de rua: se é legitimidade o que está em jogo nesse exibicionismo, tamanho é documento, sim —e "as nossas manifestações são maiores do que as suas".

O que explica, naturalmente, o despeito que os exibicionistas de multidões costumam nutrir pelo "povo da USP" —o Monitor do Debate Político, liderado por Pablo Ortellado—, que introduziu critérios rigorosos e transparentes para estimar o número real de participantes em atos públicos, retirando do jogo de interesses a prerrogativa de inflar livremente o tamanho das massas mobilizadas.

Durante anos, foi fácil esticar os números até a escala assombrosa das centenas de milhares —ou mesmo do milhão—, até que os cientistas "encolhedores de multidões" estragaram a brincadeira e lembraram que política não se faz (só) com hipérbole.

Mas a questão não é apenas por que o bolsonarismo aprecia exibir grandes multidões, e sim por que elas voltaram a se reunir com mais frequência. A resposta está em outra função desses protestos: seu papel na reafirmação identitária e na compactação ideológica do grupo. Ao ocupar as ruas, o movimento mede seu próprio tamanho, reativa laços de pertencimento e renova a convicção de que ainda tem força.

Pessoas se dispõem a sair de casa e protestar quando se identificam fortemente com os outros manifestantes, acreditam que um valor essencial ou a sobrevivência do grupo está em risco ou sentem urgência diante de uma ameaça. Todas essas condições estão presentes para os bolsonaristas, desde que as narrativas sobre "a ditadura de Alexandre de Moraes" e a perseguição injusta a Bolsonaro foram plenamente incorporadas pelo movimento. As manifestações são, então, atos de autodefesa tribal, de sobrevivência da própria identidade.

É o "ninguém larga a mão de ninguém" de um grupo que faz da vitimização a principal estratégia de coesão e mobilização. Poucas coisas são tão eficazes para reforçar uma identidade e produzir o senso de "ou nos juntamos ou estamos perdidos" do que a convicção de estar cercado, ameaçado e sob ataque.

Nisso, o consórcio Bolsonaros-Malafaia é especialmente eficaz. Sabe que o bolsonarismo se move por medo e indignação, sentimentos que precisam de um bicho-papão para serem suscitados. Se o antipetismo perdeu apelo político, ou ficou menor que o antibolsonarismo — como comprova o fato de Lula ter sido reeleito em 2022 —, o novo monstro que frequenta os pesadelos é Alexandre de Moraes.

Se a Lula se odiava por corrupto, a Alexandre se odeia por ditador. Sem sombra de dúvida, o antialexandrismo é o antipetismo desta estação, assim como o sentimento anti-STF é a nova versão da antipolítica que protagonizou a eleição de 2018. Assistimos, em tempo real, ao bolsonarismo reciclando um mobilizador de fúria política e fabricando coletivamente a cola que une sua militância — ingredientes essenciais para pôr, mais uma vez, multidões indignadas nas ruas.

Eis por que a massa bolsonarista se agita, nas ruas e nas redes, para defender o que as narrativas do movimento garantem estar sob ataque: sua própria existência enquanto movimento político e moral. A ameaça, como convém, tem nome e rosto: o juiz-ditador, o monstro desta estação.

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