quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Moraes não tinha escolha - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Não cabe ao juiz cotejar as injunções políticas na aplicação de sanções à infração das regras legais

Jair Bolsonaro (PL) poderia ter escolhido cumprir a ordem do juiz para evitar a prisão domiciliar; já o magistrado não tinha escolha: ou executava o que ele mesmo determinara ou teria, aí sim, feito um juízo político da condição do réu.

Se Alexandre de Moraes tivesse ignorado a infração à medida cautelar de não usar redes sociais, seria sinal de que teria calculado o risco de fazer do ex-presidente um mártir e se intimidado ante a possibilidade de sua decisão provocar novas sanções por parte do governo dos Estados Unidos.

O cotejo das circunstâncias políticas não é papel dele. No caso, quem deveria ter medido as consequências da desobediência à legalidade era a parte submetida aos claros ditames da ordem judicial, cujo alcance era igualmente nítido.

Dessa forma, não há que se falar em abuso de autoridade ou perseguição, mas apenas em estrito cumprimento do que está escrito. Do contrário teria havido leniência, passível de ser vista como prevaricação.

Bolsonaro & filhos optaram pela via do confronto. Estando o pai aparentemente perdido no curso de um processo prestes a ser concluído, a prole resolveu ampliar as razões para a Justiça reagir com o devido rigor e, assim, tentar trocar o lugar do acusado pelo de acusador.

Não vai dar certo. Entre outros motivos porque aqui prisões de ex-presidentes já não causam maior espanto. Apesar de serem fatos relevantes, perderam boa parte do impacto, dado ser esta a quarta vez que se repete o ato em menos de dez anos.

De inédito, o que temos agora é a entrada em cena do fator americano, a ingerência do governo de outro país numa decisão da Justiça em ação criminal por tentativa de quebra da institucionalidade.

A lei americana deixou Donald Trump livre para se eleger e o deixaria ser presidente ainda que condenado. Nada a questionar, são as regras deles. Entre nós é diferente.

O ponto em questão, portanto, não é a condução interna do processo, mas a interferência externa, que está fora de quaisquer hipóteses de negociação.

 

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