quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Foi sem querer ou de propósito? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Se Bolsonaro provocou a própria prisão, sacrifica seus interesses de longo prazo por ganho político efêmero

Não foram poucos os que escreveram que Jair Bolsonaro provocou a própria prisão para extrair dividendos políticos. Faz sentido, mas, como não sei o que vai na cabeça do ex-presidente, não descarto a possibilidade de a domiciliar ter vindo por mais um erro de cálculo do clã. Como Eduardo já demonstrou, eles não excelem em matemática política.

A ordem exarada por Alexandre de Moraes está dentro das quatro linhas do Código de Processo Penal, mas o conteúdo da declaração de Jair levada aos comícios era tão pífio —basicamente um "boa tarde"— que o ministro poderia ter deixado passar sem maiores prejuízos à autoridade do STF.

Ao lançar-se no papel de vítima, Bolsonaro teria dois ganhos principais. Reforçaria a narrativa de que sofre perseguição política —uma ideia que, pelas pesquisas, a população está inclinada a comprar— e atiçaria Donald Trump a ampliar as sanções contra o Brasil.

O problema dessa visão é que ela é míope. Não vai muito além do mês que vem. A pressão dos EUA até poderá fazer com que o Brasil abra mais sua economia a produtos americanos, mas, a menos que Trump despache tropas para cá, invada o Brasil e ocupe Brasília, é perto de zero a chance de o STF não condenar Bolsonaro a uma longa pena de prisão.

Também parece remota a possibilidade de o Congresso aprovar uma anistia. O centrão pode ser muitas coisas, mas não é contra a democracia, da qual tira seu sustento. E os Bolsonaros vão deixando claro quão tóxicos eles podem ser até para aliados.

Outro risco que o capitão reformado corre é o de esgarçar ainda mais sua relação com os ministros do STF. A melhor saída jurídica para Jair são os médicos. Um bom relatório sugerindo que os cuidados com saúde de que ele precisa são incompatíveis com o regime fechado poderia fazer com que sua prisão pós-condenação fosse convertida em domiciliar. Collor conseguiu.

É claro que, para que isso ocorra, ele precisará da boa vontade da corte. Estamos falando de décadas de xilindró, não de anos. Aí, conforto faz toda a diferença.

 

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