quarta-feira, 6 de agosto de 2025

'Água na fervura', revogação da tornozeleira - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Parlamentares levaram à cúpula episódios passados em que o Legislativo contestaram decisões do STF

O trânsito virtual na Praça dos Três Poderes engarrafou. Enquanto os bolsonaristas se refastelavam na mesa do Senado e obstruíam a pauta do plenário e das comissões, circularam entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) súmulas de decisões de ministros que, nos últimos anos, contestaram decisões de colegas em relação às prerrogativas de parlamentares.

O pano de fundo é a contestação da prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas é sobre o mandato do senador Marcos do Val (PL-ES), desde essa segunda-feira dotado de uma tornozeleira eletrônica por ter viajado aos EUA sem comunicar ao ministro Alexandre de Moraes, que o Congresso avalia ter o que hoje se chama de “lugar de fala”.

Uma das decisões que circulou foi aquela do então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, de outubro de 2018, que desautorizou decisão do então ministro Ricardo Lewandowski permitindo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à época apenado em Curitiba, conceder entrevistas até que o caso fosse apreciado pela Corte.

Foi a segunda contestação da decisão de Lewandowski, hoje ministro da Justiça. A primeira foi do ministro Luiz Fux, em liminar que atendeu a pedido do partido Novo poucas horas depois de a decisão do colega ter sido tomada. Depois da reclamação de parlamentares petistas contra a proibição, Lewandowski voltou a se pronunciar a favor da entrevista, sob pena de configurar censura à imprensa, quando foi interpelado por Toffoli.

A segunda súmula é aquela de outubro de 2017 que derrubou as medidas cautelares que determinaram o afastamento do então senador Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato e seu recolhimento domiciliar noturno. O afastamento foi decidido pelo ministro Edson Fachin e o relator do acórdão vencedor, por seis votos a cinco, que submeteu o afastamento do parlamentar ao crivo de sua Casa legislativa, foi Alexandre de Moraes, o mesmo que, oito anos depois, impôs, como medida cautelar, a tornozeleira eletrônica de Marcos do Val.

O trânsito de súmulas visou, primeiro, ao convencimento do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para colocar em votação a derrubada das medidas cautelares contra Do Val. A iniciativa é liderada pela bancada bolsonarista mas tem apoio do Centrão. O movimento que os parlamentares fizeram na tarde desta terça-feira, ocupando a mesa da Casa e obstruindo a pauta de plenário e das comissões, teve este objetivo.

No fim da tarde, Alcolumbre soltou uma nota fazendo um “chamado à serenidade e ao espírito de cooperação” para que os parlamentares desocupassem a mesa diretora da Casa. O tema será discutido numa reunião de líderes nesta quarta. Das duas pressões que têm pesado sobre o STF, particularmente sobre o decano da Casa, ministro Gilmar Mendes, para a revogação das cautelares contra Do Val e da prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, a primeira é a que tem mais chance de prosperar.

Seus defensores argumentam que a decisão teria o efeito de jogar água na fervura sem que Moraes precise recuar, o que não é o caso da decisão sobre Bolsonaro que é, ao fim e ao cabo, o objetivo maior da pressão parlamentar. A despeito dos editoriais que questionam a decisão do ministro, da declaração do CEO do Bradesco, Marcelo Noronha, de que a Lei Magnitsky será observada pelos bancos brasileiros, e das resistências do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, a avaliação é de que se a decisão de Moraes pode, de fato, ter arranhado a liberdade de expressão, sua revogação pelo plenário acarretaria numa perda de credibilidade da Corte como um todo.

Permanece, ainda, sem desdobramentos o impacto da prisão domiciliar sobre as autoridades americanas. O fato de a nota do Departamento de Estado, condenando a decisão, ter sido emitida sem assinatura é considerada, no Itamaraty, um atenuante.

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