É preciso respeitar as regras do jogo democrático
Correio Braziliense
Bolsonaro está na posição de quem não se importa com quais são as regras do jogo. Decisões do STF podem ser problematizadas, mas nunca descumpridas
O ex-presidente Jair Bolsonaro tinha medidas claras a cumprir quando o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Alexandre de Moraes, decidiu pelas já públicas medidas cautelares. Entre elas, estava a obrigação de não propagar discursos nas redes sociais. Ainda que não tenha falado nada demais em sua participação na rede social do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), um dos seus filhos, o ex-chefe do Planalto apostou alto ao desrespeitar o regramento definido pela Corte.
A análise em Brasília é de que Bolsonaro agiu de maneira calculada. Apostou que Moraes não deixaria o descumprimento passar ileso, e o ministro acatou o que havia determinado. Preso em casa, o ex-presidente quer alimentar ainda mais a polarização e tende a usar a arma de sempre: a mobilização nas redes sociais, ainda que de maneira indireta, a partir, principalmente, de aliados.
De acordo com monitoramento da consultoria Quaest, até 21h desta segunda-feira, cerca de 1,2 milhão de menções ao caso foram registradas nas principais plataformas digitais: 53% delas foram favoráveis à prisão, enquanto 47% manifestaram posicionamento contrário — em sua maioria, com críticas à medida do Supremo Tribunal Federal (STF) e acusações de abuso de poder. É nessa última percepção que o ex-presidente aposta para se colocar em posição de "perseguido político".
Para além do capital político, a aparição de Bolsonaro no vídeo de Flávio, durante o fim de semana, foi uma clara afronta às regras do jogo. Enquanto o julgamento pela tentativa de golpe de Estado não é finalizado, o ex-presidente deixa claro que não está disposto a cumprir medidas do STF, a Corte máxima do Judiciário brasileiro.
Na história do país, muito se discutiu sobre a influência dos ministros do Supremo no lado político de Brasília. É evidente que suas decisões, por vezes, não reúnem apenas elementos jurídicos, mas também posições políticas demarcadas. No entanto, ainda que questionadas, essas determinações sempre foram respeitadas — algo inegociável na democracia. Decisões do STF podem ser problematizadas, mas nunca descumpridas.
Bolsonaro, por outro lado, está na posição de quem não se importa com quais são as regras do jogo. Com seu futuro político sob enorme pressão, está disposto a fazer o que for preciso para, no mínimo, se colocar como alvo de um suposto esquema político com objetivo de sufocar a direita brasileira.
Parte dessa estratégia já foi colocada em vigor, durante a retomada das atividades do Congresso após recesso. A ala bolsonarista do Senado, por exemplo, ocupou a Mesa Diretora para pressionar pela tramitação de medidas problemáticas do ponto de vista da independência dos Poderes, como o impeachment de ministros do STF e a anistia dos condenados pelo 8 de Janeiro.
Nesse cenário, cabe ao Supremo forçar que a partida seja jogada dentro das quatro linhas da lei — mesmo diante da tentativa dos Estados Unidos de exercer influência sobre a democracia brasileira, a partir do tarifaço e da Lei Magnitsky.
Decisão de Moraes tensiona o ambiente político
O Povo (CE)
Os acusados têm o direito de se defender e mesmo de criticar as decisões do STF. Porém, é inaceitável o desrespeito às ordens emanadas pela Suprema Corte, que podem ser contestadas por vias legais, porém nunca desobedecidas
Acusado de agir sob as ordens do Executivo, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Alexandre de Moraes, provou a falsidade da alegação ao determinar a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. Além disso, o ministro avisou que não descarta ordenar a prisão em regime fechado do ex-presidente, caso ele volte a descumprir as medidas cautelares impostas pelo STF.
Para o governo brasileiro, no momento em que se abre uma fresta para a negociação das tarifas, o melhor seria que a crise com os Estados Unidos desescalasse, abrindo espaço para que as questões comerciais fossem discutidas separadamente dos assuntos políticos.
Agora, é certo que a prisão de Bolsonaro vai impactar negativamente as negociações sobre o tarifaço, tornando-se um dificultador de uma possível conversa direta entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o seu homólogo americano, Donald Trump.
No entanto, Moraes não considerou as injunções políticas do momento, mesmo porque, caso não ordenasse a prisão domiciliar de Bolsonaro — depois que ele desrespeitou conscientemente as medidas cautelares — seria a desmoralização do STF.
Os Estados Unidos reagiram nas redes sociais por meio do Escritório do Departamento de Estado para Assuntos do Hemisfério, classificando Moraes de "violador dos direitos humanos sancionado pelos EUA", acusando-o de tentar "silenciar a oposição". Uma nota de tal calibre — e mentirosa — não seria escrita sem ordem expressa de Trump.
Na frente interna, o que acontece é que o bolsonarismo está testando os limites da institucionalidade, desafiando abertamente o STF ao descumprir decisões da Corte. Aceitar passivamente tal situação seria um estímulo ao cometimento de novas irregularidades, que poderiam avançar para estágios ainda mais graves.
É inegável a existência de um movimento coordenado para confrontar as decisões do STF, do qual faz parte a tese de "perseguição política", que não se sustenta de pé, quando confrontada com as investigações da Polícia Federal e com a denúncia do Ministério Público Federal.
No Congresso Nacional, que voltou aos trabalhos depois do recesso, o ambiente está tensionado em seu limite máximo. A oposição acusa Moraes de praticar "vingança política" contra Bolsonaro, e fala em "ditadura declarada", exigindo o impeachment de Moraes. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) chamou o ministro de "psicopata" e seu irmão, o senador Flávio (PL-RJ) classificou como "covardia institucional" a decisão do STF.
Os acusados têm o direito de se defender, e mesmo de criticar as decisões do STF. Porém, é inaceitável o desrespeito às ordens emanadas pela Suprema Corte, que podem ser contestadas por vias legais, porém nunca desobedecidas, como recorrentemente fazem os bolsonaristas.
Folha de S. Paulo
- Moraes erra ao determinar prisão
domiciliar de ex-presidente, e corte deveria reinstituir a garantia
- Bolsonaro teria se tornado ditador não
fossem as instituições, mas democratas não viram tiranos para enfrentar a
tirania
Na eleição de 2018 e
enquanto esteve na Presidência, Jair
Bolsonaro (PL) atacou
a imprensa profissional, e esta Folha em particular,
covarde, insistente e brutalmente. Incitou a massa de seus apoiadores
extremistas contra jornalistas e veículos, liderou campanhas de boicote e
perseguiu a asfixia financeira das empresas.
Imprecou dia sim, outro
também, contra a independência dos Poderes democraticamente constituídos,
alvejando sobretudo juízes do Supremo Tribunal Federal. Fez campanha contra o
sistema de votação e arregimentou assessores e ministros do governo para tentar
sabotá-lo.
Inconformado com a derrota nas urnas, insuflou hordas de fanáticos que se aglomeravam defronte a quartéis e bloqueavam rodovias pelo país. Tramou a subversão do regime democrático com oficiais das Forças Armadas e, não obtendo apoio, fugiu do Brasil para, quem sabe, esperar um vento favorável do destino.
Assistiu da Flórida às
depredações de 8 de janeiro de 2023, postou mensagem encorajadora aos vândalos
e logo depois a apagou, temendo ser enquadrado pela lei. Dois anos e meio
depois, denunciado e processado por tentativa de golpe, associou-se ao presidente
dos Estados Unidos numa chantagem abjeta contra a economia e a soberania do
Brasil.
Jair Bolsonaro é um inimigo
da Constituição de 1988 e das liberdades civis. Se não tivesse sido parado pela
intransigência democrática da sociedade e das instituições brasileiras, teria
se convertido em ditador e hoje estaria censurando, reprimindo e violentando
cidadãos e organizações.
Com a mesma firmeza que
impôs o império da lei a esse aventureiro do autoritarismo, o Brasil deve
reconhecer que Jair Bolsonaro detém ampla liberdade de se defender na Justiça e
de se expressar onde quer que seja, inclusive nas redes sociais. Democratas não
se transformam em tiranos para combater a tirania.
A pretexto de enfrentar a
ameaça autoritária, o ministro Alexandre
de Moraes, apoiado pela maioria dos colegas, desenvolveu teoria e prática
estranhas à Carta. As ordens de censura, muitas vezes exaradas em despachos
secretos que não permitem defesa, tornaram-se lugar-comum.
Moraes errou
ao pretender silenciar Bolsonaro numa ordenação kafkiana, impossível
de cumprir. Moraes erra
ao mandar prender o ex-presidente por ter se comunicado com apoiadores
em atos organizados pela direita.
A liberdade de expressão é
direito que não abandona nem sequer quem cumpre pena —lição que o ministro Luiz
Fux, que no passado censurou
a Folha numa tentativa de entrevistar o então ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no cárcere, parece agora ter aprendido com
Bolsonaro.
A maioria dos colegas de
Alexandre de Moraes precisa reinstituir esse princípio basilar da ordem
democrática. O espírito de corpo ou de defesa contra assédio estrangeiro não
justifica relativizar garantias constitucionais.
SP atrasa desativação de
manicômios
Folha de S. Paulo
- Prazo esgotou-se em maio de 2024, mas,
enquanto o número de internos cai no Brasil, o do estado aumenta
- Não se trata de mera questão normativa.
O Ministério dos Direitos Humanos atestou situação degradante em vários
desses locais pelo país
Em 2001, a Lei
Antimanicomial proibiu a internação de pessoas com transtornos mentais por
tempo indeterminado no Brasil. Mesmo assim, só em abril de 2023 o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ)
resolveu colocar o diploma em prática e determinou
a desativação dos hospitais de custódia.
Tais locais, conhecidos como
manicômios judiciários, abrigam indivíduos em medida de segurança —cometeram
crimes, mas foram considerados inimputáveis pela Justiça por serem
diagnosticados com algum tipo de transtorno psiquiátrico.
O prazo para cumprir a
medida findou em maio de 2024. Mas, segundo o CNJ, apenas cinco unidades da
federação fecharam essas instituições (Ceará, Goiás, Mato Grosso, Piauí e
Roraima), enquanto outras 14 interromperam a entrada de novos internos.
São Paulo,
contudo, não só ainda mantém seus três hospitais de custódia ativos como o
número de internos aumentou.
Dados da Secretaria Nacional
de Políticas Penais mostram que o
contingente passou de 761 para 993, entre o segundo semestre de 2022, antes
da resolução do CNJ, e o segundo semestre de 2024.
Atualmente, são 1.026, de
acordo com a Secretaria da Administração Penitenciária paulista. Nos outros
estados do país, o montante caiu de 1.063 para 783, durante o mesmo período.
No final do ano passado, 56%
do contingente estava em São Paulo, o que de fato impõe grandes desafios à
transição. Mas isso não pode ser usado como subterfúgio pelo estado mais
poderoso do Brasil para infringir a lei e a decisão do CNJ.
Não se trata de mera questão
normativa. Relatórios produzidos pelo Ministério dos Direitos
Humanos, após inspeções realizadas de 2022 a 2024, atestaram condições
degradantes em vários desses locais pelo país.
Visitas de especialistas do
Conselho Federal de Psicologia também constataram cenário similar, que inclui
falta de higiene, abuso de medicamentos e até situações análogas à tortura.
Os pacientes liberados
receberão atendimento pelos Centros de Apoio Psicossocial (Caps), e aqueles que
não possuem família devem ser direcionados para residências terapêuticas.
O governo Tarcísio
de Freitas (Republicanos) tem o dever de agilizar de forma responsável
a desativação dos hospitais de custódia, com formulação de planos
individualizados para tratamento e alocação de recursos em infraestrutura na
rede de saúde.
Manicômios judiciários não têm lugar numa sociedade que preze pelos direitos humanos.
COP30 deveria transferir
para o Rio parte dos eventos
O Globo
Mudança não seria indolor,
mas traria menos riscos que o caos prenunciado em Belém
Fica a cada dia mais
evidente que Belém não terá condição de hospedar de modo satisfatório a
Conferência do Clima (COP30), agendada para 10 a 21 de novembro. A prova mais
eloquente vem do mercado: os preços cobrados para hospedagem estão fora da
realidade, como demonstrou reportagem do GLOBO. O custo proibitivo reflete a
escassez de acomodação para todos os participantes e ameaça a presença de
delegações estrangeiras. Está em xeque o êxito da conferência.
A escolha de uma cidade da
Amazônia para realizar a COP30 foi importante por traduzir o protagonismo do
Brasil na questão ambiental. Mas, ao insistir em Belém como sede exclusiva, o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva não levou em conta as deficiências de infraestrutura da cidade. Apesar do
prazo exíguo, ainda há tempo de evitar o pior. Mas é preciso agilidade. O
governo federal deveria transferir para o Rio de Janeiro a maior parcela dos
eventos possível, mantendo em Belém os mais representativos, que preservem o
simbolismo da sede amazônica.
Evidentemente, a esta
altura, não será uma saída indolor. Mas, quanto mais tempo demorar a decisão,
mais cara ela ficará. A transferência envolveria uma operação de guerra para
preparar a base carioca, mas seria menos arriscada do que o cenário caótico que
se prenuncia caso Belém seja a única sede.
Como mostrou reportagem do
GLOBO, a diária em hotéis medianos na capital paraense supera a dos
estabelecimentos mais luxuosos de São Paulo e Rio de Janeiro. Para reservar um
quarto simples em Belém, o hóspede terá de desembolsar entre R$ 28,7 mil e R$
85 mil. Se ficasse no Copacabana Palace, que abrigou celebridades como Madonna,
Mick Jagger e Paul McCartney, pagaria R$ 47 mil. A diária num três estrelas em
Belém é superior à dos paulistanos Rosewood (R$ 64 mil), Fasano (R$ 50 mil) e
Emiliano (R$ 46 mil).
A crise na hospedagem era
previsível, e o governo sabia disso quando teimosamente insistiu em manter a
conferência em Belém. Com apenas 18 mil leitos disponíveis, a cidade se viu em
dificuldades para receber um público estimado em 50 mil participantes. É
verdade que nenhuma cidade está preparada. O Rio teve de construir milhares de
quartos para a Olimpíada de 2016. No caso de Belém, o tempo era curto (a sede
foi confirmada em 2023), e não faria sentido construir hotéis que depois
ficariam ociosos. Com poucas vagas e a demanda explosiva, os preços dispararam.
A menos de cem dias da conferência, a principal discussão da COP30 não trata de
mudanças climáticas, mas do preço da hospedagem.
Quartos não se multiplicarão
num passe de mágica, nem os preços baixarão só porque o governo quer. As
soluções cogitadas, como contratar navios de cruzeiro, não resolvem o problema,
pois envolvem alto custo de transporte. Apesar dos esforços do governo paraense
e de a presidência da COP30 assegurar não haver plano B, a crise está
instalada. Delegações estrangeiras já fizeram uma reunião de emergência
exigindo mudança da sede, e há outra agendada para a próxima segunda-feira.
Para que o Brasil não passe vergonha diante de todo o planeta, é preciso agir
logo. O Rio, maior destino turístico do país, tem vasta experiência em
megaeventos e dispõe de excelente infraestrutura de hotéis, transportes e
serviços. A ninguém interessa uma COP30 esvaziada por problemas logísticos.
Passou da hora de transferir os eventos possíveis para o Rio.
Leniência do poder público
com lixões é uma ameaça à população
O Globo
Eles já deveriam ter sido
extintos, mas modelo de IA treinado pelo GLOBO detectou incêndios em mais de
700
Não há maior evidência do
fracasso da Política Nacional de Resíduos Sólidos, sancionada em 2010 no
segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do que um fato singelo
constatado em reportagem do GLOBO: o local previsto para a realização da conferência
global do clima, a COP30, fica a 95 quilômetros de um lixão que queima a céu
aberto, no município paraense de Curuçá. O primeiro prazo legal para o fim dos
lixões no Brasil venceu em 2014, mas foi prorrogado sucessivamente até o ano
passado. E os lixões continuam por aí, como resultado da omissão das
autoridades, da falta de fiscalização e de punição.
Embora não haja dados
oficiais, uma pesquisa do IBGE revelou que 1.700 municípios, ou mais de 30% do
total, admitiam ainda ter lixões a céu aberto em 2023. No mesmo ano, o
Ministério do Meio Ambiente informou haver 463 em atividade. A Associação
Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente afirma que pode haver 3 mil áreas de
descarte clandestino de lixo no país.
Essas montanhas de lixo
costumam queimar por combustão espontânea ou por incêndio intencional. A
reportagem do GLOBO treinou um modelo de inteligência
artificial (IA) para, por meio de imagens de satélite, identificar
os lixões, excluindo os aterros sanitários legais (equipados com dispositivos
para coletar chorume). O modelo constatou que, nos últimos dez anos, em todos
os estados, houve 2.974 alertas de incêndio em 740 lixões — um foco a cada dois
dias.
O fogo libera para a
atmosfera algo como 6 milhões de toneladas de gases de efeito estufa por ano. O
impacto dos lixões no meio ambiente equivale às emissões de uma cidade do porte
de Campinas (SP), com 1,1 milhão de habitantes, ou a uma frota de 3 milhões de
carros a gasolina. “O lixo vai se decompondo, e a matéria orgânica produz
metano. É um supergás de efeito estufa, 30 vezes mais poderoso para absorver
calor que o gás carbônico. A proibição de queima de resíduos deveria ser muito
mais efetiva”, afirma o cientista do clima Carlos Nobre, da Universidade de São
Paulo (USP).
Os prejuízos para a saúde
pública também são grandes. Não é apenas metano que os incêndios propagam. Por
queimarem toda sorte de entulho, plástico, lixo eletrônico e orgânico, também
liberam substâncias cancerígenas, como dioxinas, furanos, enxofre e mercúrio.
Doenças como febre tifoide, leptospirose e até peste bubônica podem ser
causadas pelo contato direto ou indireto com o lixo, afirma estudo da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Outro efeito grave dos lixões
perto de aeroportos é a proliferação de aves como urubus, que se chocam com as
aeronaves. Desde 2021, tem sido registrada no Brasil uma média anual de 2.100
desses choques.
A leniência do poder público com os lixões a céu aberto é inaceitável e constitui grave ameaça à população. A lei manda que eles sejam extintos. Já deveriam ter sido.
Trump ameaça
as estatísticas e a independência do Fed
Valor Econômico
Depois de
destruir grande parte da ordem comercial global, Trump inocula desconfiança e
instabilidade em dois pilares da prosperidade e da confiança dos mercados
financeiros americanos
O presidente Donald Trump não passa um dia sem tentar estender
seus domínios sobre as instituições. Suas duas ofensivas mais recentes
preocupam os investidores, por boas razões: podem quebrar a confiança em duas
bases do maior mercado financeiro do mundo, as estatísticas e a independência
do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Em mais um de seus
rompantes, Trump não gostou dos números contidos na divulgação da criação de
vagas no mercado de trabalho em julho, que minguaram para 73 mil postos e foram
acompanhados por revisão dos resultados de maio e junho, que encolheram em 285
mil empregos. O presidente demitiu por isso a responsável pelo Departamento de
Estatísticas do Trabalho (BLS), Erika McEntarfer. Depois de assediar o
presidente do Fed, Jerome Powell, para que se demita, Trump ganhou a chance de
indicar um novo membro do Fed que poderá fazer sombra a Powell, vir a
substituí-lo e, talvez, por fim, atrelá-lo ao Executivo.
Trump detestou as estatísticas do trabalho, e usou as revisões como pretexto
para difamar McEntarfer, indicada pelo presidente anterior, Joe Biden,
acusando-a de ter manipulado os números para prejudicar a administração
republicana e enaltecer a democrata. Os números não mostraram, como postou em
sua rede Truth Social, que “a economia está bombando com Trump”. Segundo o
presidente, McEntarfer teria também aumentado o número de empregos antes das
eleições para “facilitar a vitória de Kamala Harris”. Como também é habitual,
nada disso é verdadeiro.
Trump afirmou que
estatísticas como essa são tão importantes que “não podem ser manipuladas para
fins políticos”, expressando com clareza exatamente o que estava fazendo. É um
ato visto antes somente em regimes populistas, como o dos Kirchner na Argentina,
que desvirtuaram estatísticas de inflação do Indec, ou ditaduras, como a russa.
Bancos e investidores sentiram o golpe da demissão como uma
ameaça potencial a seus negócios. A demissão de McEntarfer “traz riscos para a
condução da política monetária, para a estabilidade financeira e para a
perspectiva econômica”, alertou o JP Morgan, maior instituição financeira
americana. “Confiança nas instituições é um motivo pelos quais os EUA são o
destino de capital estrangeiro, e uma delas são as agências de estatísticas
oficiais”, disse ao Financial Times o economista-chefe do banco, Michel Feroli.
O BLS produz não só as estatísticas de trabalho, como as da
inflação que constituem o Índice de Preços ao Consumidor (CPI, em inglês),
indexador de títulos do Tesouro protegidos da inflação (TIPS), comercializados
aos bilhões de dólares diariamente. A desconfiança imediatamente disseminada
após a intervenção de Trump é que a escolha de um servidor fiel colocará sob
suspeita os dados fornecidos ao público, e um dos motivos é que isso é crível
porque o presidente não tem escrúpulos para jogadas sujas que lhe garantam mais
poder ou lhe deem vantagens políticas.
Dados manipulados são um enorme problema não só para Wall Street, mas para o
Fed, cujo mandato dual pressupõe a garantia do maior nível de emprego possível.
Powell, fustigado sem parar por Trump para baixar os juros, os manteve na
última reunião, dois dias antes da intervenção no BLS. Trump ignorou os fatos.
Um dos motivos do enfraquecimento do mercado de trabalho foram as demissões em
massa de funcionários públicos ordenadas pelo presidente. Além disso, essa
fraqueza aumentou as chances de cortes dos juros no próximo encontro do banco.
E, por último, Trump talvez não entenda algo quase tautológico, explicado por
Powell: como o estoque de emprego é finito e o país está em pleno emprego, o
número de vagas ofertadas tende fatalmente a diminuir.
Ameaçar a confiabilidade das estatísticas não foi uma ação
solitária de Trump, mas veio na sequência da série de ameaças contra Powell,
inclusive insinuando suspeitas de corrupção, para que ele saia do cargo. O
presidente, no entanto, teve a sorte da renúncia de Adriana Kugler, membro do
Fed indicada por Biden, cujo mandato expira em janeiro. Ele disse que indicaria
nesta semana um substituto, que pode também vir a ser o sucessor de Powell,
como admitiu. Em entrevista à CNBC, citou como bons nomes Kevin Hassett,
diretor do Conselho Nacional Econômico, da sua equipe, ou Kevin Warsh,
ex-membro do Fed.
No mercado de apostas, Warsh desponta como o favorito, com 29%
de chances. Ele não esconde sua oposição a Powell, já defendeu sua saída e
disse que a hesitação do Fed em cortar juros “é um claro sinal de fraqueza”.
Apoia também uma aliança estratégica com o Tesouro, como pregam os gurus de
Elon Musk, desaconselhada por economistas e investidores, por significar perda
de independência e caminho aberto para a monetização dos enormes déficits
americanos.
Depois de destruir grande parte da ordem comercial global, Trump inocula desconfiança e instabilidade em dois pilares da prosperidade e da confiança dos mercados financeiros americanos. Em ambos os casos, poderá colher, além de turbulências, a insuportável aliança de interesses contrariados no exterior e em seu próprio país.
É preciso interromper a
marcha da insensatez
O Estado de S. Paulo
Nem o golpismo bolsonarista nem abusos judiciais do STF podem ser normalizados. O Brasil precisa da serenidade de suas autoridades nesta hora grave para escapar do ciclo de radicalização
A prisão domiciliar de Jair
Bolsonaro, ordenada em caráter preventivo pelo ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes, é o ponto mais dramático a que chegamos até
aqui no que se pode classificar como uma espiral de imprudências que colocou o
Brasil numa rota extremamente perigosa.
A esta altura, só os
cidadãos inebriados pela devoção inconteste ao “mito” são incapazes de alcançar
a gravidade das acusações e dos elementos de culpabilidade que pesam sobre
Bolsonaro no julgamento em que o ex-presidente é réu no STF. Mas, mesmo entre os
que compreendem exatamente o que Bolsonaro tentou fazer para se aferrar ao
poder em 2022, decerto não são poucos os que enxergam em algumas decisões do
Supremo, em particular de Moraes, mais do que meros erros judiciais, que de
resto podem ser corrigidos. Estamos falando de abusos de poder que, ainda que
tenham sido cometidos em nome da “salvação da democracia” ou coisa que o valha,
não deixam de ser abusos intoleráveis à luz do Estado Democrático de Direito
consagrado desde o preâmbulo da Constituição.
Está em movimento, portanto,
um círculo vicioso que ora paralisa o País no sentido de impedir a discussão e
a construção de consensos mínimos em torno de temas diversos ao destino
jurídico de um desqualificado como Bolsonaro, essas, sim, questões relevantíssimas
para os interesses gerais da Nação. A cada abuso dos radicais bolsonaristas –
como, por exemplo, o conluio com o governo dos EUA a fim de subjugar o
Judiciário brasileiro e o pedido de anistia para os golpistas, além do
impeachment de ministros do STF – parece corresponder uma reação de Moraes no
sentido diametralmente oposto, mas igualmente figadal. Ninguém parece disposto
a serenar os ânimos e pensar no que é melhor para o País.
A articulação entre os
interesses bolsonaristas e os interesses do presidente americano Donald Trump
para forçar uma anistia a Bolsonaro é, por si só, aviltante. Trata-se de uma
chantagem disfarçada sob o manto de uma suposta “pacificação nacional”, que nada
mais é do que um pedido de impunidade generalizada. Bolsonaro não é perseguido
político. É réu por crimes graves, entre eles uma tentativa de golpe de Estado.
Sua inelegibilidade, decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é
resultado de um devido processo legal. Não há que se falar em revanchismo
quando há, como há, provas e indícios robustos de tentativa de violação da
ordem constitucional democrática.
Mas a resposta a esse
golpismo continuado deve ser mais prudência, e não menos, o que não se confunde
com falta de firmeza. A resposta institucional a essa marcha da insensatez deve
ser, sim, firme – mas também moderada, transparente e muito bem fundamentada.
Moderação não é capitulação à chantagem e ao golpismo. Defender a legalidade e
a temperança das decisões do STF não equivale a ceder aos que desejam sabotar a
democracia em nome da liberdade de um golpista inveterado como Bolsonaro. Do
mesmo modo, resguardar a autoridade do STF não implica endossar sem reservas
decisões de Moraes que contrariam a jurisprudência da própria Corte e, pior,
abastardam direitos e garantias individuais assegurados pela mesma Constituição
que o STF tem o dever de defender.
Essa escalada da
radicalização não é destino. Não se pode legitimar o comportamento de
liberticidas que não dão a mínima para o que vai acontecer com o País amanhã.
Assim como não se pode admitir uma espécie de vale-tudo judicial em nome do
combate aos inimigos da democracia. É mais do que hora de o STF, a cúpula do
Congresso, os líderes dos partidos ainda comprometidos com a democracia liberal
e o presidente Lula da Silva jogarem água nessa fogueira, e não mais gasolina.
Às mais altas autoridades da República cabe agir com responsabilidade
institucional nesta hora grave.
O País clama por serenidade.
É tempo de recusar maniqueísmos e restaurar canais de diálogo, o que nem
remotamente significa fazer concessões a liberticidas. Significa lembrar que,
numa democracia liberal digna do nome, o respeito às leis e à Constituição é a
única diferença entre o Estado de Direito e o arbítrio – sobretudo quando este
aparece mascarado como virtude.
A república bananeira de
Trump
O Estado de S. Paulo
Ao demitir autoridade
estatística por divulgar dados desabonadores, Trump mina instituições e
aproxima os EUA das práticas de regimes autocráticos: quebrar o termômetro e
matar o mensageiro
“Quando os fatos mudam, eu
mudo de opinião.” A frase atribuída a John Maynard Keynes resume o que se
espera de estadistas maduros: coragem para adaptar decisões à realidade, e não
falsear a realidade ao sabor das decisões. Donald Trump, ao contrário, tem se
especializado em “mudar” os fatos – e punir quem os revela. A mais recente
vítima do presidente americano é Erika McEntarfer, comissária do Departamento
de Estatísticas do Trabalho (BLS, na sigla em inglês), demitida após a
divulgação de números de emprego desfavoráveis ao governo. A justificativa? Os
dados estariam manipulados para prejudicar os republicanos. Provas? Nenhuma.
A metáfora da “república das
bananas”, cunhada para descrever Estados nanicos, instáveis, personalistas e
propensos à corrupção e à demagogia, hoje se aplica com inquietante pertinência
aos Estados Unidos governados por um presidente que tenta “matar o mensageiro”
sempre que a mensagem contraria seu discurso. Desde que reassumiu o poder,
Trump intensificou pressões sobre o Fed, o banco central americano, alimentou
teorias conspiratórias contra estatísticas oficiais, desmontou órgãos de
controle e transformou perfis oficiais nas redes em palanques. Tudo isso num
ambiente econômico marcado por tarifas erráticas, inflação instável e
crescimento anêmico. Um governante sensato reconheceria os alertas. Trump opta
por quebrar a balança – ou virar o tabuleiro, como uma criança contrariada.
A credibilidade das
estatísticas oficiais é um pilar da confiança dos mercados e da formulação de
políticas públicas racionais. Sem dados confiáveis, empresas congelam
investimentos, o banco central hesita, investidores fogem, servidores trabalham
de olhos vendados. Um país que mente sobre si mesmo perde sua bússola – e o
respeito dos outros.
Não é um risco teórico. A
Argentina, sob os Kirchners, fraudou sistematicamente os índices de inflação,
implodindo a credibilidade internacional e incitando ações legais de credores.
A Venezuela chavista destruiu sua estatística oficial e mergulhou num colapso
econômico. A China enfrenta ceticismo crônico. A Grécia pagou caro por ocultar
déficits, com uma década de crise e tutelas externas. A História mostra que
falsear números não resolve problemas. Só os agrava.
O Brasil conhece bem essas
manobras diversionistas. Nos governos petistas, houve fraude fiscal nas
chamadas “pedaladas”, manipulação da meta de superávit e tentativas de
escamotear o déficit. No governo Bolsonaro, o negacionismo se traduziu na
tentativa de ocultar dados da pandemia e desacreditar e constranger órgãos
técnicos, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em todos os
casos, o resultado foi o mesmo: erosão da confiança, judicialização, fuga de
capitais.
O governo Biden também
tentou minimizar a inflação recorde de 2022, subestimou os efeitos de pacotes
de gastos e lançou mão de eufemismos contábeis. Mas no caso de Trump, a
hostilidade à verdade, mais do que sinal de desespero, é um método. O ataque ao
BLS ecoa seus assaltos ao sistema eleitoral, à imprensa livre, à Justiça e ao
Capitólio. Trata-se de um padrão autoritário: rejeitar qualquer realidade que
não sirva à sua causa e destruir instituições que resistam.
Nos próximos meses, Trump
poderá nomear um novo presidente do Fed mais “leal” à sua agenda. Se também
subjugar a máquina estatística federal, as fronteiras entre propaganda e
verdade estarão irremediavelmente borradas. O país que já foi o modelo do capitalismo
democrático corre o risco de se parecer mais com os regimes que jura combater.
É fácil destruir a confiança. É muito difícil restaurá-la. Gestores públicos,
empresários e cidadãos precisam confiar que a régua não será alterada conforme
o humor do presidente.
Trump gosta de repetir que
“a América voltou a ser grande”. Mas grandeza não se mede em bravatas. Mede-se
em instituições sólidas e respeito à verdade. Os Estados Unidos de Trump, hoje,
se parecem mais com uma caricatura tropical: um governante que não admite más
notícias, demite técnicos, agride árbitros e transforma o governo num reality
show pessoal. Esse é o retrato de uma república bananeira. E ela fala inglês.
Ataque certeiro na
Cracolândia
O Estado de S. Paulo
Ação mostra que é possível
enfrentar problemas graves com inteligência e coordenação
Os cidadãos que caminham
pela antiga Cracolândia, no centro de São Paulo, região que um dia foi ocupada
por usuários de drogas que vagavam sem rumo e entorpecidos pelo crack,
encontram agora as vias livres do consumo a céu aberto da droga. Desde março deste
ano, quando o chamado fluxo de usuários do crack desapareceu da Rua dos
Protestantes, foram muitas as hipóteses aventadas para a mudança de um cenário
que estava degradado havia mais de 30 anos. Hoje, sabe-se que o estrangulamento
de um ecossistema do crime arquitetado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC)
de dentro da Favela do Moinho levou a esse esvaziamento.
Foi isso o que mostrou uma
recente reportagem publicada pelo Estadão. A favela encravada entre
duas linhas de trens sob responsabilidade do Estado e erguida em um terreno da
União era uma espécie de quartel-general do PCC no centro. Dali, criminosos
usavam a intricada estrutura local para armazenar e distribuir drogas na
Cracolândia, captavam sinais de radiotransmissores da Polícia Militar (PM) e
ainda promoviam julgamentos num “tribunal do crime”, nos quais costumam punir
comparsas e inimigos, além de aterrorizar a comunidade.
Coube ao Grupo de Atuação
Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São
Paulo (MP-SP), explorar a inteligência no combate ao PCC na região central da
capital paulista. E, com a queda do QG da facção na Favela do Moinho, caiu
também a oferta de drogas. Como disse o promotor de Justiça Lincoln Gakyia,
“uma coisa”, o consumo do crack na Cracolândia, “não poderia sobreviver sem a
outra”, o tráfico oriundo da favela.
Ao mesmo tempo em que o PCC
era asfixiado pelas operações do Gaeco, a Polícia Militar assumiu seu papel de
atuação ostensiva. Houve queixas contra a presença dos PMs no Moinho, mas
sempre é bom lembrar que, como mostrou o Estadão, os moradores da
favela viviam sob o medo e ainda eram alvo de achaques de integrantes do PCC,
os verdadeiros inimigos. Presentes na entrada da favela, policiais dificultaram
a vida dos bandidos, ao passo que o governo do Estado, a Prefeitura e o governo
federal, após divergências que foram acertadamente sanadas, chegaram a uma
solução para quase 900 famílias, com a sua remoção para unidades de programas
habitacionais.
Como se vê, o uso da inteligência nas investigações e operações deflagradas na Cracolândia, a presença ostensiva necessária e adequada da PM na Favela do Moinho e a promoção de políticas públicas de habitação aos moradores da área resultaram no desaparecimento do infame fluxo de usuários do crack. Decerto, houve dispersão pelo centro, o que levou a críticas da população, mas isso não anula os feitos desse trabalho do poder público sustentado nesses três pilares. Para chegar ao resultado almejado por todos os paulistanos, que é o fim das Cracolândias pela cidade, as autoridades precisam socorrer, com ações de saúde, os usuários de drogas. Há muitos motivos para comemoração, mas há ainda um delicado e humano trabalho a ser feito.
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