Nele, coisas inevitáveis
acontecem em uma situação de complexidade política. É desagradável, mas comum
que os tons endureçam, acusações destinadas a denegrir o competidor para ocupar
o palco, que ataques malévolos sejam desenvolvidos e até manobras indecentes
baseadas na base tecnológico-comunicacional de nosso tempo.
Está a decorrer um duplo debate. Um é o debate aberto do corpo atual e o outro ocorre no darkside na internet e não só de forma sub-reptícia e realizado também por inteligências artificiais (IA) aéticas comercializadas por especialistas como alertam o belga Mark Coeckelbergh e o italiano Luciano Floridi, que buscam a destruição do adversário por meio das redes sociais.
É algo que tem desempenhado
um papel importante em várias partes do mundo – desde pelo menos – no reforço
de populismos autoritários baseados em eleições.
Trump, Orbán, Putin – que
também o faz em eleições fora da Rússia – Farage no Reino Unido, operador da
sua saída da União Europeia (BREXIT), Bolsonaro no Brasil, enfim, muitos
políticos usuários dessas práticas, mesmo que o façam com maneiras mais comuns
e linguagem mais dura.
Para realizar essa
debilitação da democracia, são necessários muitos dados, um estudo de nichos
eleitorais e personalização do eleitor, e muito dinheiro para manipular,
principalmente os votos menos informados, mais distante da política, aquele
onde predominam as emoções, as respostas simples e categóricas, o desejo de se
identificar com um candidato.
São eleitores convencidos de
que quem faz política o faz como uma atividade lucrativa e cheia de privilégios
e, graças a isso, ocupa um lugar na sociedade que nunca teria obtido com boas
artes. Em muitas experiencias, é um julgamento equívoco, mas em outros,
infelizmente, está próximo da verdade.
No próximo confronto de 2026
para ocupar a Presidência da República e eleger representantes no Congresso,
essas inevitáveis formas de disputa parecem ser ampliadas por um fortalecimento
das posições extremadas, e por uma revolução passiva eleitoral dos setores
reformistas e da grande maioria moderada que representam e constituem a maior
defesa de uma liderança e figuração democrática e a construção de um adversário
muito distante da visão de Carl Schmitt (1888-1985) que reduz tudo a oposição
amigo/inimigo, que enfatiza as instituições democráticas e impede uma
negociação onde aqueles que a fazem entendam que não estão de posse de certezas
absolutas, que as mudanças e soluções para os problemas são sempre complexas e
exigem acordos que são capazes de alcançar entendimentos que são parcialmente
aceitáveis para todos e/ou pelo menos para uma grande maioria plural.
Os dados que temos hoje
desde a posse de Trump e agora com suas tarifas alfandegárias nos mostram um
quadro desfavorável para tal espaço democrático.
O virtuoso é que o Brasil
está passando por esse transe protecionista com a devida prontidão à
negociação.
Hoje, quando o mandato
presidencial está quase recuperado das críticas avaliações, não é possível
apontar qual será o resultado com vistas a 2026. Embora não tenha levado o país
à catástrofe porque a tentativa de reconstrução expressa no seu slogan era
ausente de projeto e da também frágil ideia de união, esse quadro esquizoide
não continha os elementos necessários para dar conta dos perigos que aludimos e
seguem rondando a democracia. A batida de porta na cara pelo totalitarismo
tarifário de Trump tem gerado o oxigênio que salvou não poucas peças de
mobiliário no governo, permitindo que essa experiência promova um aggiornamento de
novo tipo no repertório governamental.
O Brasil de hoje continua
sua serena caminhada, cresce, com problemas sociais que demoraram muito tempo
para serem extintos como a miséria, e o crime organizado é uma realidade
consolidada.
Se o que foi proposto é mais
ou menos assim, parece razoável que as pessoas queiram sair desse incômodo
diatópico imposto relatado em Tomara que você seja deportado, de
Jamil Chade e retomar, adaptando-o aos desafios atuais, um caminho reformador
capaz de combinar crescimento econômico e o bem-estar social ampliado que
tivemos progressivamente por quase duas décadas com FHC e Lula e, assim, poder
enfrentar os novos problemas, do crime às mudanças climáticas, da educação à
saúde, com ideias efetivas, sólidas e realizáveis, deixando de lado o simplismo
da extrema direita e o simbolismo ideológico e inepto da esquerda.
No entanto, as coisas
caminham lentamente para essa direção, pois chegar à razão sem contaminá-la
pela angústia e numa perspectiva das reformas orientadas para o progresso não
se dá velozmente. A trajetória FHC e Lula foi capaz de realizar governos que colocaram
o Brasil onde até então nunca tinha chegado em sua jornada de progresso, mas
falhou como força de representação política em algum lugar bem conhecido ao
longo do caminho.
Como disse Dante (1265-1321)
em A Divina Comédia, se abandonou a dritta via (o
caminho reto), e nesse abandono há pesadas responsabilidades que têm nome e
sobrenome.
Esse espaço agora é
nominalmente ocupado por Lula e Alckmin com uma espécie de Centro à esquerda no
papel, mas ainda não encorpada. Eles representam outra vez a orientação
desejada da Frente Democrática de 2022 que, se for governar novamente depois de
2026, esse governo precisa ser muito diferente do atual para reincorporar o
impulso propulsor necessário.
Lembremos que Lula e Alckmin
agora não representam organizações políticas lideradas por personagens um tanto
rústicos de seus partidos.
Pois Javier Milei está aí e
ele não nos permite esquecer o famoso ditado de Jorge Luis Borges (1899-1986)
sobre os peronistas, que cai como uma luva nesta ocasião: “Os peronistas não
são bons nem maus, são incorrigíveis”.
A vida política do século
XXI é vertiginosa e surpreendente, mas não encorajadora; além das dificuldades
internas, o Brasil enfrentará uma situação global que exigirá altos níveis de
unidade e, em nível nacional, não poderemos retomar nossos sucessos passados se
não tivermos um contrato básico de crescimento e maior bem-estar.
Não seremos capazes de
derrotar a distopia, a insegurança e os atuais níveis de medo dos cidadãos se
não fizermos um esforço conjunto sobre nossas diferenças legítimas.
Enfim, nada mais e nada menos do que muita lucidez! Uivemos!
*Ricardo Marinho é
Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade
Unyleya, da UniverCEDAE e do Instituto Devecchi.
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