Folha de S. Paulo
Núcleo familiar deve tentar ganhar força na
disputa contra bolsonaristas ditos pragmáticos
Cadeia precoce não deve mudar história real
da direita ou força do bolsonarismo transformado
A prisão
preventiva de Jair
Bolsonaro transforma em drama mais intenso o que seria a cena do
encarceramento, o episódio em que o capitão das trevas seria levado a uma cela
a fim de cumprir pena por tentativa de golpe. Vamos chamar de drama o que seria
farsa, não fora tão tétrica.
A encenação não deve mudar a história real. Os integrantes mais aguerridos da seita farão mais propaganda fanática, como o fazia Flávio Bolsonaro. Inadvertidamente (ou não?), o senador do PL do Rio de Janeiro antecipou a prisão ao convocar para este sábado uma vigília para perto da casa do pai dele, com hipérboles bíblicas e denúncia da ditadura em que, diz, vive o Brasil. O bolsonarismo restante ou transformado continuará a cuidar da vida, pois a prisão era certa. Sim, o bolsonarismo é maior do que Bolsonaro. Transformou-se em ideia.
Depois dos primeiros dias de cadeia e de
curiosidade sobre as condições de vida do prisioneiro, a figura do líder
golpista tenderia a se apagar aos poucos, como aquelas fotografias pregadas em
túmulos, "tudo mais constante". Seria improvável revolta relevante de
rua. A imagem de Bolsonaro esmaeceria pelo menos até 2027, quando um presidente
de direita talvez decidisse indultá-lo, sob o risco de começar o mandato sob
confusão constitucional e política (e tendo de lidar com o capitão do golpe
solto).
Com a prisão preventiva, o núcleo familiar e
o bolsonarismo mais sectário terão mais combustível para agitar adeptos e,
assim, tentar manter seu poder na disputa com o bolsonarismo mais pragmático ou
oportunista, que quer Tarcísio
de Freitas presidente em 2027. A depender da esperteza, os
tarcisistas também podem se aproveitar do drama fuleiro do
encarceramento.
O bolsonarismo sobreviverá. Sua militância
por redes digitais alimenta um desejo de insurreição permanente contra "o
sistema", "tudo isso que está aí"; disso se alimenta. Deu ainda
forma e sentido políticos a movimentos de revolta e grupos sociais importantes
que queriam mais poder de fato (força direta no governo). É uma revolta contra
o Estado, de parte dos largados sociais, contra avanços nos direitos civis,
econômicos e sociais, contra impostos. É um instrumento de poder para a maior
parte do agro, para o evangelismo político, para parte do empresariado
emergente, para liberais econômicos ignorantes (a maioria), para forças de
segurança e para antiesquerdistas.
No vídeo
do "X" em que convocava a vigília, Flávio Bolsonaro dizia que a
manifestação, "neste primeiro momento", serviria para "buscar o
Senhor dos Exércitos" (o Deus do Antigo Testamento que derrota todas as
forças do universo). Os vigilantes orariam pela saúde de Bolsonaro e
"...pela volta da democracia", pois "nossa pátria não vai continuar
nas mãos de ladrões, bandidos e ditadores". Era encenação para reafirmar a
ideologia grupal de insurreição e animar a militância. Se houvesse certo tipo
de tumulto (com repressão), seria conveniente para os objetivos de criar a
figura do mártir e de difundir a ideia da perseguição dos escolhidos.
Bolsonaro poderia fugir, sim. O bolsonarismo
não tem escrúpulos, da corrupção à pregação da tortura, da ditadura e do
genocídio. Fugido, criaria mais problema, desde dificuldade na relação com os
EUA até tumulto político mais duradouro. No mais, a prisão cria drama em parte
do entrecho longo da transição para o bolsonarismo sem Bolsonaro, pelo menos no
horizonte visível até 2027.
.jpg)
Nenhum comentário:
Postar um comentário