Correio Braziliense
O presidente do PL Valdemar
Costa Neto não esconde o desejo de que Michelle seja a candidata. Os filhos
preferem o irmão mais velho, o senador Flávio Bolsonaro
A prisão preventiva do ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL), decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes, após a convocação de uma vigília por Flávio Bolsonaro
(PL-RJ), não sela o destino do bolsonarismo nem esvazia seu impacto no pleito
de 2026. O movimento político criado por Bolsonaro é maior que sua condição
jurídica e, embora enfraquecido, permanece vivo entre milhões de seguidores.
Bolsonaro está sob custódia do Estado, inelegível e condenado a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, mas continua sendo a principal referência política da direita brasileira, à qual hegemonizou. A prisão reduz seu raio de ação e aumenta sua vulnerabilidade, mas não dispersa de imediato a base eleitoral que construiu nos últimos 10 anos. A “sombra de futuro” do “Mito” contingenciará os candidatos de oposição.
Formulado pelo cientista político Robert
Axelrod na Teoria dos Jogos, o conceito de “sombra de futuro” foi adotado pelo
darwinista Richard Dawkins em “O Gene Egoísta” (Companhia das Letras), para
entender a cooperação entre os seres humanos. Resumidamente, é a percepção que
cada jogador tem sobre a duração da cooperação e necessidade de retaliação para
sobrevivência.
Axelrod fez simulações matemáticas sobre o
sistema “viver e deixar viver”, que se desenvolveu espontaneamente nas
trincheiras da Primeira Guerra Mundial, quando os soldados ingleses e alemães,
por muito tempo frente a frente, criavam acordos tácitos de não agressão;
quando a rotação mudava ou o comando endurecia, o pacto se rompia para se
restabelecer logo depois. Dawkins utiliza essa ideia para demonstrar como
estratégias de cooperação entre adversários podem evoluir em razão da “sombra
de futuro”.
Até ontem, a oposição vivia um cenário “viver
e deixar viver” ao redor de Bolsonaro. Ele estava inelegível, mas em casa;
condenado, mas ativo politicamente; acuado judicialmente, mas ainda comandante
da oposição. Havia um equilíbrio político instável: o STF, sobretudo na figura
de Moraes, impunha limites e sanções; Bolsonaro testava essas linhas com
discursos, postagens indiretas, mobilização de aliados e ameaças veladas; o
Congresso manejava pautas de segurança pública e anistia; governadores de
direita se projetavam nacionalmente surfando na agenda da ordem.
À sombra de Bolsonaro
Dono do maior ativo eleitoral da oposição,
Bolsonaro segue capaz de arbitrar candidaturas, de transferir votos e de,
eventualmente, caso um aliado chegue ao poder, ser beneficiado por uma anistia
aprovada por um Congresso conservador ou por um futuro indulto presidencial.
Essa hipótese — de que o líder permanece no
jogo, ainda que em posição defensiva — funciona como um estabilizador da
própria direita: ninguém rompe com Bolsonaro, ninguém se proclamava herdeiro
sem sua bênção, todos esperam um gesto do líder.
Ronaldo Caiado (União), governador de Goiás;
Romeu Zema (Novo), de Minas; Ratinho Junior (PSD), do Paraná; e Eduardo Leite
(PSD), Rio Grande do Sul, aguardam uma definição de Bolsonaro. Corre por fora,
Ciro Gomes (PSDB). Único potencialmente capaz de unificar toda a oposição, o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), é uma esfinge:
“decifra-me ou te devoro!”.
Sem apoio formal de Bolsonaro, o governador
paulista não será candidato à Presidência; sua “sombra de futuro” é muito
maior. Pode se reeleger ao Palácio dos Bandeirantes e aguardar 2030 à frente do
poderoso governo paulista para disputar a Presidência.
A prisão preventiva de Bolsonaro encurta
tudo. Na lógica de Axelrod, quando a duração é menor, o tempo torna mais
difícil sustentar a cooperação. Governadores, parlamentares, lideranças
evangélicas e empresários aliados passam a se perguntar se vale a pena seguir
postergando decisões estratégicas.
É nesse contexto que a figura de Tarcísio de
Freitas ganha centralidade. Entretanto, a “sombra de futuro” de Tarcísio, caso
eventualmente chegue ao poder, frustraria as ambições do clã Bolsonaro,
possivelmente, até 2034.
Esse tempo é suficiente para que o capital
eleitoral do ex-presidente se disperse entre as demais lideranças de oposição.
Por essa razão, o presidente do PL Valdemar Costa Neto não esconde o desejo de
que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro seja candidata. Os filhos Eduardo
Bolsonaro (PL-SP), deputado federal que se autoexilou nos Estados Unidos; e
Carlos Bolsonaro, que deve se candidatar ao Senado em Santa Catarina, preferem
o nome do irmão mais velho, o senador Flávio.
Colateralmente, a eventual candidatura de
Tarcísio à Presidência embaralha o cenário eleitoral em São Paulo: primeiro, o
vice-presidente Geraldo Alckmin reaparece como favorito na disputa pelo Palácio
dos Bandeirantes; segundo, instala-se uma disputa pelo espólio bolsonarista
entre o influenciador Pablo Marçal; o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes
(MDB); e o deputado Guilherme Derrite (Progressistas), que reassumiu a
secretaria de Segurança de São Paulo. Tarcísio é prisioneiro da “sombra de
futuro” de Bolsonaro: uma coisa é ser apresentado como sucessor; outra é
parecer alguém que aproveita a fragilidade do chefe para atalhar o poder.

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