domingo, 23 de novembro de 2025

Descontando o futuro, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro conta a história de conceito econômico por trás de juros e prêmios de risco

Fenômeno também explica dificuldade para ações firmes no enfrentamento da mudança climática

Ao menos para economistas, o futuro vale menos do que o presente. Prêmio de risco e preço da paciência estão entre as razões evocadas para justificar o chamado desconto do futuro e fenômenos a eles associados, como a taxa de juros. O desconto do futuro é também um dos motivos por que é tão difícil coordenar as ações de países para enfrentar a mudança climática.

"Discounting the Future", de Liliana Doganova, é um interessante passeio pela lógica, contradições, cálculos interessados e falta de visão que nos levam a descontar o futuro.

Doganova começa nas florestas europeias do século 19. Qual é o momento certo para abater as árvores? Quem depende de lenha para cozinhar tem pressa. Quem pode esperar prefere que as árvores estejam maiores. Mas o ciclo das melhores madeiras é tão longo (300 anos) e tão incompatível com a expectativa de vida humana que alguns chegaram à conclusão de que florestas só poderiam ser administradas por entidades imperecíveis como o Estado.

A autora também analisa como o desconto do futuro se dá na indústria farmacêutica, um mercado em que a incerteza impera, e como foi utilizado na avaliação do valor das minas de cobre chilenas, tanto para fins de nacionalização, sob Allende, quanto de concessão à iniciativa privada, com Pinochet.

Não costumo comentar o que livros deixam de dizer, mas não resisto a fazê-lo hoje, destacando duas questões. Doganova não se furta a discutir questões filosóficas. Ela cita autores como Marx, Amartya Sen e Daniel Innerarity, mas é uma pena que não tenha dedicado ao menos algumas páginas a Derek Parfit, que tem ótimas reflexões sobre o tema que geram boas respostas para o problema climático.

Já viajando um pouco, acho que dá para afirmar que o desconto do futuro está de algum modo inscrito na biologia. O processo de senescência nada mais é do que o pouco valor que a seleção natural dá a mutações que só provocam problemas de saúde tarde na vida do indivíduo. É porque a evolução desconta o futuro que envelhecemos e morremos.

 

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