sexta-feira, 22 de maio de 2015

Merval Pereira - Governo em risco

- O Globo

A ressaca da comemoração da aprovação do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fachin, chegou rápido para o governo, que acabou a semana parlamentar com dor de cabeça: tanto na Câmara quanto no Senado foram adiadas votações importantes para o ajuste fiscal, pelo perigo de uma derrota do governo.

O Senado adiou para a próxima terça-feira a votação da Medida Provisória 665, que endurece as regras do pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial. Na Câmara, a votação do projeto de lei que reduz a desoneração da folha de salários, um dos principais pontos do ajuste fiscal do governo, foi adiada para a segunda semana de junho. Pior: o relator do projeto, deputado Leonardo Picciani, muito ligado ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, quer definir apenas para dezembro a entrada em vigor das novas medidas. Tudo isso significa atraso no reajuste fiscal, que terá de buscar em outro lugar o dinheiro que pretendia economizar ainda este ano. E o risco de derrota não é devido só à oposição. Onze senadores de PT, PMDB, PSOL, PDT e PSB; movimentos sociais como MST e CUT; e petistas como Tarso Genro e Valter Pomar assinaram um "Manifesto pela mudança na política econômica e contra o ajuste".

A perspectiva de que a base aliada do governo estivesse sendo re agrupada pelo trabalho de bastidores de Michel Temer, que abriu as torneiras de nomeações, já estava sendo comemorada pelo Planalto, mas mostrou-se vã com as reações de Câmara e Senado, que até mesmo quando seus líderes se desentendem encontram caminhos convergentes para fragilizar o governo. A derrota, na Câmara, do projeto de manutenção do fator previdenciário será apoiada pelo Senado, que já antecipou postura semelhante por meio de seu presidente, Renan Calheiros. Todos esses movimentos, vistos em conjunto, significam que o governo já perdeu a condição política de assegurar à equipe econômica a aprovação de pontos importantes do reajuste fiscal.

O que parecia só um incômodo de parte da base, especialmente PT e partidos de esquerda, em apoiar um programa de cortes de gastos — que atinge especialmente classes sociais menos protegidas, como aposentados e pensionistas, e aumenta os custos das empresas, com o fim das desonerações — está se transformando em movimento político que rejeita as linhas mestras do ministro da Fazenda escolhido nas hostes adversárias para fazer o trabalho que o petismo não sabe e não quer fazer, isto é, acabar com o desperdício e equilibrar as contas públicas. O problema é que, como a oposição vem cobrando desde o primeiro momento, não há nenhum gesto do governo para cortar seus próprios gastos, o que transforma o Congresso em instrumento de medidas impopulares.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já mandou seu recado recentemente à base rebelada: ou faz o ajuste, ou tem que aumentar imposto. Claro que o governo não gostaria de aumentar imposto, porque é uma medida antipática, prejudica a sociedade de maneira geral, e o único culpado seria ele. O melhor caminho seria economizar com medidas aprovadas pelo Congresso, mas, como deputados e senadores, aparentemente, não estão dispostos a assumir nenhuma medida antipática para ajudar o governo, vai ser um problema. Ele terá de assumir uma parte desse sacrifício com aumento de impostos e estará sujeito a críticas, que já começam a aparecer em forma de manifestos da base aliada que lhe tiram poder político.

Sem apoio de sua própria base, e às voltas com as pressões do PMDB através dos presidentes da Câmara e do Senado — empenhados em vetar a recondução do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao cargo em agosto —, Dilma fica sem condições práticas de fazer o ajuste fiscal, única maneira de reequilibrar a economia e permitir o superávit de 1,2% prometido por Joaquim Levy ao mercado. Os únicos argumentos que o governo tem para re verter a situação é ameaçar com aumento de impostos ou risco de rebaixamento da nota de crédito pelas agências internacionais, o que afetaria definitivamente a combalida economia brasileira, que fechou o trimestre com PIB negativo e inflação e desemprego em alta.

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