Governo recua sobre abono e taxa bancos
• Dilma vai vetar regra que endurece benefício de trabalhadores para garantir ajuste fiscal
Catarina Alencastro, Geralda Doca, Eliane Oliveira e Isabel Braga
Acerto de contas
BRASÍLIA - Na véspera do anúncio do corte do Orçamento deste ano, que deve ficar em torno de R$ 70 bilhões, a presidente Dilma Rousseff decidiu aumentar o imposto sobre os bancos e, após pressão do Congresso, recuou na mudança do pagamento do abono salarial. A decisão foi tomada para conseguir viabilizar a aprovação das Medidas Provisórias (MPs) do ajuste fiscal no Senado na próxima semana. Na quarta, o governo não conseguiu encaminhar a votação de uma das matérias. A presidente queria primeiro aprovar o ajuste, para depois fechar o corte. Mas o prazo legal para o contingenciamento a obrigará a publicá-lo hoje. Ela garantiu, ontem, que o corte não paralisará o governo.
- Tem gente que acha que o contingenciamento do governo vai ser pequeno. Não vai. Vai ser um contingenciamento não tão grande que não seja necessário, nem tão pequeno que não seja efetivo, que não provoque nada. Ele tem de ser absolutamente adequado. Nenhum contingenciamento paralisa governo. O governo gasta menos em algumas coisas. Nós vamos fazer uma boa economia para que o país possa crescer e ter sustentabilidade no crescimento - afirmou Dilma.
Como forma de compensar as perdas fiscais com as mudanças feitas no Congresso nas medidas provisórias (MPs) que endurecem o acesso a benefícios trabalhistas, o governo resolveu editar hoje uma nova MP aumentando a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que tributa os bancos, dos atuais 15% para 20%. A previsão é que, com a medida, a União arrecade entre R$ 3 a 4 bilhões ao ano.
Sem mexer no abono, governo perde R$ 9 bi
O aumento de impostos foi o caminho encontrado pelo governo para equilibrar as contas públicas, diante das dificuldades em aprovar as medidas de ajuste no Congresso. A economia de R$ 18 bilhões em 2015, projetada inicialmente pela equipe econômica com as Medidas Provisórias 664 (que mexe na pensão por morte e auxílio-doença) e 665 (que altera o acesso ao abono salarial e seguro-desemprego), cairá para menos da metade.
Com relação ao abono salarial, ficou decidido que Dilma vai vetar o dispositivo que estabelece três meses de emprego ininterrupto para que o trabalhador que recebe até dois salários mínimos ganhe o benefício. Com isso, volta a vigorar o modelo antigo, em que o abono era pago para quem trabalhasse por pelo menos 30 dias. A conclusão saiu da reunião realizada ontem pela manhã no Palácio do Jaburu entre o vice-presidente Michel Temer, líderes da base aliada no Congresso e os ministros da Fazenda (Joaquim Levy), do Planejamento (Nelson Barbosa), da Casa Civil (Aloizio Mercadante), do Trabalho (Manoel Dias) e da Previdência (Carlos Gabas).
Inicialmente, o governo queria um prazo de seis meses, mas o relator da matéria, senador Paulo Rocha (PT-PA), reduziu o tempo para três meses. Segundo o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), o veto também atingirá a proporcionalidade no pagamento, como ocorre com o 13º salário: a pessoa receberá proporcionalmente ao número de meses trabalhados.
- Está tudo certo. Haverá o veto e será retirada a carência. E vamos respeitar a Constituição. Já conversei com o ministro Levy sobre isso - disse o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS).
Além de ter que aceitar regras mais brandas para o seguro-desemprego e pensões, o Executivo teve que abrir mão de um ganho de R$ 9 bilhões, segundo cálculos do Ministério do Trabalho, com as mudanças do abono salarial (PIS). Agora, o governo aposta todas as suas fichas na aprovação das medidas no Senado na próxima semana. Fontes do Planalto dizem que as pendências e discordâncias serão resolvidas por meio de vetos da presidente Dilma. A negociação do governo com a base foi feita dessa forma porque, se o Senado mexer nos textos, eles voltam para análise da Câmara e não haveria tempo hábil para aprová-las, já que perdem a validade no dia 1º de junho.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), manifestou a gravidade da situação afirmando que "o país quebra" se as medidas não forem aprovadas.
- Se alterar no Senado, não haverá tempo hábil de a Câmara votar novamente as medidas antes de perder a vigência. O Senado precisa ter essa dimensão. Não tem como, porque semana que vem a Casa vai votar a reforma política. Se os senadores têm questões não contempladas, podem discutir em outras MPs. O país quebra se não votarmos as MPs - defendeu.
Guimarães criticou o grupo de senadores que anunciou anteontem que votaria contra a medida que trata de seguro-desemprego e abono salarial. O grupo é formado por parlamentares da base aliada, inclusive do PT, e da oposição.
- Isso é um erro. Estou falando isso como vice-presidente nacional do PT. Tem gente do PT que adora bater foto com a Dilma quando ela vai nos estados, mas adora também fazer movimentos contrários. Deputado do PT e senador do PT tem que ser solidário com a presidente Dilma - afirmou o líder.
Além do aumento da CSLL, a equipe econômica mira a distribuição de lucros das empresas para elevar a arrecadação. No radar do Ministério da Fazenda há uma proposta, para vigorar a partir de janeiro de 2016, que obriga as empresas que declaram Imposto de Renda com base no lucro presumido a pagaraem o tributo sobre o resultado excedente. Atualmente, pessoas jurídicas pagam o imposto com base no valor presumido, e, caso o lucro seja maior, distribuem o excedente entre os sócios sem pagar imposto. O ministro da Fazenda tentou emplacar a mudança no projeto da terceirização, mas não conseguiu o apoio dos parlamentares.
Em outra frente, a Fazenda quer recuperar uma proposta antiga para acabar com o benefício fiscal dado a empresas e bancos quando distribuem lucros na forma de juros sobre o capital próprio. O benefício foi instituído em 1996 e é considerado uma jabuticaba (só existe no Brasil). Pelas regras, se o investidor aplica R$ 10 milhões em uma empresa, independente de ter lucro ou não, pode aplicar a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) à quantia e distribuir o valor entre os sócios, com isenção de impostos.
O governo ainda depende da aprovação do projeto que acaba com a desoneração da folha de salários e eleva de 1% para 2,5% e de 2% para 4,5% a contribuição patronal para a Previdência sobre o faturamento. A equipe econômica defende que a mudança entre em vigor ainda este ano, mas o Congresso insiste em aumento escalonado, a partir de dezembro deste ano. O relator Leonardo Picciani (PMDB-RJ) quer deixar alguns setores de fora da medida.
A relação do Planalto com o Congresso está tão fragilizada que o ministros próximos à presidente, como o das Comunicações, Ricardo Berzoini, e o da Previdência, Carlos Gabas, passaram a defender internamente que não haja veto às mudanças no fator previdenciário, com criação da fórmula 85/95 (somando tempo de contribuição e idade para mulheres e homens para ter acesso à aposentadoria, sem deságios), conforme aprovado pela Câmara dos Deputados.
Além do receio de que um eventual veto seja derrubado, como já sinalizou o Legislativo, há o argumento de que no curto prazo (até 2018), o resultado é positivo. Ou seja, o governo gastará menos com benefícios e arrecadará mais com o fato de os trabalhadores adiarem um pouco a aposentadoria para receber um benefício maior. As projeções apontam para um ganho entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões só nos primeiros 12 meses. Por outro lado, a médio e longo prazos, as perdas serão elevadas, diante do aumento da expectativa de vida e dos riscos de passivos judiciais ("desaposentação" e pedido de recálculo de benefícios concedidos sob as regras antigas).
A assessoria do Ministério da Previdência nega que Gabas esteja atuando para que seja mantida a mudança no fator, sem veto. Em nota, a pasta alega que Dilma proibiu qualquer manifestação até a conclusão da votação no Congresso.
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