sexta-feira, 22 de maio de 2015

Um impasse perigoso – Editorial / O Estado de S. Paulo

“Essa proposta de ajuste fiscal não combina com os novos desafios. Combina apenas com o passado. Portanto, quem quer dizer ‘sim’ ao desenvolvimento com justiça social tem que dizer ‘não’ ao arrocho fiscal, nos termos propostos pelo governo.” Essa magnífica peça de retórica populista é um trecho do manifesto que um grupo de petistas “de esquerda”, com o endosso de 11 parlamentares da base governista, inclusive do PT, lançou contra as propostas de ajuste fiscal do governo. Um texto que tempos atrás, como na recente campanha eleitoral, Dilma Rousseff teria subscrito sem pestanejar. Hoje a presidente da República deve estar remoendo a ideia de que não há nada pior do que sofrer com o próprio veneno.

Durante todo o seu primeiro mandato a presidente Dilma Rousseff esbaldou-se no populismo disfarçado de política social, promovendo uma gastança desenfreada à custa de expedientes como as “pedaladas” que, na interpretação do Tribunal de Contas da União, atropelaram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Durante a campanha eleitoral mentiu deslavadamente, acusando a oposição de ameaçar as conquistas sociais com as mesmas medidas que, reeleita, propõe agora para corrigir a irresponsabilidade com a qual governou por quatro anos.

Ajuste fiscal é, por definição, remédio amargo. Ao propor as medidas em discussão no Congresso, Dilma Rousseff admite implicitamente que sua gestão desajustou as contas do governo e, consequentemente, comprometeu a base para qualquer programa de “desenvolvimento com justiça social”. Perseverar na demagogia populista significa persistir irresponsavelmente no erro. Urge, neste momento, corrigi-lo. O que, reconhece o próprio governo, só é possível mediante a aplicação da redução de despesas de custeio e investimento, o que afetará toda a sociedade, da qual os assalariados são parte importante.

O impasse que as resistências ao pacote fiscal estão criando no Congresso poderá resultar na necessidade de o governo aplicar uma dose cavalar de aumento de impostos para compensar a impossibilidade de equilibrar as contas com uma combinação de medidas de redução de despesas com o aumento mais moderado da receita. Ainda que não seja o ideal, o ajuste proposto é melhor para o País do que o governo não fazer nada, o que teria consequências desastrosas para a economia brasileira, a começar pela redução da classificação da dívida soberana e a consequente retração do crédito e dos investimentos estrangeiros.

É claro que o governo poderia equilibrar suas contas promovendo também um amplo enxugamento da obesa máquina estatal. Mas o ajuste é urgente e essa não é uma providência para o curto prazo.

As resistências às propostas do Planalto são de natureza variada. Há os que alegam razões humanitárias, como os signatários do manifesto petista acima citado, baseado na concepção esquerdista do Estado provedor. Não faltam os oportunistas bem postados na hierarquia do Congresso Nacional e ávidos por tirar vantagens pessoais da barganha fisiológica com o poder central. E existe ainda a oposição formal, cujo maior partido é o PSDB. Em comum todos esses grupos têm apenas o fato de recusarem as propostas oficiais de reajuste fiscal e não se darem ao trabalho de explicar como é possível conciliar a falta de recursos com o pleno atendimento de todas as reivindicações de benefícios sociais.

Em particular, o comportamento dos tucanos, em relação às propostas de ajuste fiscal, não tem correspondido ao posicionamento responsável e exemplar que se pode esperar do maior partido da oposição, cujo desempenho eleitoral o credencia como alternativa natural ao PT no poder.

É certo que cabe à oposição manter o governo sob permanente pressão política – e sob esse aspecto o PSDB parece ter despertado da letargia, a julgar pelo programa de TV veiculado na terça-feira passada no horário eleitoral dito gratuito. Não faz sentido, porém, o PSDB opor-se indiscriminadamente a medidas que ele próprio proporia se estivesse do poder. Basta explicar aos brasileiros, quando vota com o governo, que o faz por imposição dos interesses nacionais, não em benefício dos donos do poder. Assim agindo, faria oposição responsável.

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