Depois de atormentar as famílias durante anos, a inflação continua no rumo certo, deixando mais dinheiro no bolso dos consumidores e abrindo espaço para novos cortes de juros e mais estímulos à produção e à criação de empregos. A alta de preços acumulada em 12 meses, de 3,6%, foi a menor em dez anos, isto é, desde a taxa de 3,18% fechada em maio de 2007. Preços contidos e crédito mais acessível são condições importantes para a sustentação do crescimento econômico, depois de dois anos de retração. A incerteza agravada nas últimas semanas, com o aumento da tensão política, é neste momento o principal entrave a um afrouxamento mais veloz da política monetária, como confirmou na sexta-feira passada o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn. Ele se referiu explicitamente à “incerteza associada à evolução do processo de reformas e de ajustes”, sem apontar de forma direta a causa da insegurança, isto é, o aumento recente das pressões enfrentadas em Brasília pelo governo.
A tensão na Praça dos Três Poderes tem contrastado com a redução sensível das pressões inflacionárias. O repique mensal observado em maio, quando os preços pagos pelas famílias subiram 0,31%, mais que o dobro da taxa do mês anterior, de 0,14%, resultou basicamente de um fator especial. Em abril um desconto havia compensado a cobrança indevida do Encargo de Energia de Reserva. Sem esse desconto, as contas de eletricidade subiram 8,98% em maio.
Isso bastaria para explicar uma alta de 0,29 ponto porcentual no índice do mês, fechado com variação de 0,31%. Esse efeito é obviamente passageiro e sem potencial para afetar a tendência do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a principal medida oficial da inflação.
A tendência de baixa tanto da inflação como dos juros básicos permanece, como observou o presidente do BC numa palestra em São Paulo. Mas o próximo corte da taxa básica, a Selic, poderá ser inferior ao decidido na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, quando houve redução de um ponto porcentual. O comitê voltará a reunir-se em julho. Então haverá uma reavaliação de todos os dados importantes para a condução da política de crédito, incluídos o quadro político e, portanto, as condições de aprovação e de implementação de ajustes e reformas.
A incerteza prolongada, lembrou o presidente do BC, pode afetar a política monetária de duas formas opostas. Se prejudicar a atividade econômica, entravando os negócios, um efeito possível será a desinflação. Mas, se houver insegurança quanto à formação de preços, poderá ocorrer mais instabilidade e isso reforçará o impulso inflacionário. De toda forma, as projeções ficam mais difíceis, nessas condições, assim como a estimativa da taxa de juros estrutural. Essa é a taxa compatível com um crescimento econômico sem desajustes. Deve ser, portanto, um indicador de rumo e de ritmo para a política monetária.
O presidente do BC repetiu, em sua exposição, uma frase incluída na ata da última reunião do Copom. “Não há”, disse ele, “relação direta e mecânica entre o aumento de incerteza e a política monetária.” A insistência nesse ponto pode parecer estranha, na situação atual, mas tanto na ata como na palestra de sexta-feira houve uma ressalva esclarecedora.
Neste momento a insegurança pode, sim, influenciar as decisões do comitê. Afinal, o afrouxamento da política monetária, iniciado em outubro, tem sido condicionado pelos indicadores de inflação e pelas perspectivas de reconstrução das contas públicas. A desinflação tem sido generalizada e as expectativas de inflação, observou Goldfajn, permanecem “ancoradas em torno da meta” de 4,5%.
Os indicadores de inflação têm proporcionado algumas das melhores notícias. As contas externas também são tranquilizadoras e no começo deste ano surgiram, enfim, sinais de reativação da economia e de criação de empregos na indústria. Mas nenhuma dessas mudanças é independente, nas condições brasileiras, do dia a dia do jogo político. Afinal, nem sequer se pode contar com a autonomia legal do BC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário