- Valor Econômico
A sarneyzação já é uma realidade no governo Temer
Salvo fato novo ou do pronunciamento das ruas - a votação é aberta -, é mais fácil Michel Temer conseguir os 308 votos necessários para aprovar a reforma da Previdência que o procurador Rodrigo Janot arrancar os 342 votos de deputados de que precisa para processar o presidente no STF. Não é que Temer esteja à vontade para prosseguir com as reformas, ao contrário, se estivesse já as teria votado. Mas tem o poder e as armas de persuasão de que precisa para abalar convicções, assegurar lealdades e até mudar votos.
A Constituição é clara: para processar o presidente por atos cometidos no exercício do mandato, o procurador-geral da República precisará da autorização expressa de dois terços da Câmara dos Deputados, ou seja, os 342 votos. É uma soma fácil de ser sabotada e muito difícil de ser atingida. Ou seja, quem defende a abertura do processo é que precisa argumentar, convencer e mobilizar 342 deputados federais a comparecer à sessão e votar "sim". Temer nem precisa ter os votos do terço restante, 171 deputados. Se Janot tiver 341 deputados, o presidente terá escapado do processo.
O distinto público merece saber das dificuldades, para não ficar depois surpreso e desapontado como ficou com o resultado do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no pedido de impugnação da chapa Dilma-Temer. Há 29 anos, a opinião pública brasileira também se surpreendeu quando a Assembleia Nacional Constituinte deu cinco anos de mandato para o ex-presidente José Sarney (1985-1990), quando a aprovação de um mandato de quatro anos parecia favas contadas. Estava mal informada das transações de Sarney nos bastidores e na torcida embalada sobretudo pela gente parlamentarista como Fernando Henrique Cardoso e Mario Covas. Os quatroanistas não tinham, como parecia e propagavam, a maioria absoluta da Assembleia.
Na prática, o presidente Temer vai precisar de muito mais, se quiser se manter no Palácio do Planalto em condições de aprovar as reformas trabalhista e previdenciária, o que é pré-requisito para a sua permanência. Não basta evitar que Rodrigo Janot tenha os 342 votos para processá-lo no Supremo. Num Congresso onde mais de uma centena de deputados e senadores foram rastreados pelo radar da Lava-Jato, não chega a ser uma façanha de Hércules, se não houver grandes manifestações. O que Temer precisa mostrar é que pode ter os 308 votos para aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência. É nisso que o governo agora empenha suas energias.
Já para esta terça-feira o presidente convidou todos os governadores para um jantar no Palácio do Alvorada. Até a tarde de ontem 16 já haviam confirmado presença. Não é preciso muita imaginação para saber a composição do menu: dificuldades, investimentos do BNDES, renegociação de dívidas e o voto das bancadas. Na batalha para recompor suas forças, o Planalto se vale de todas as alternativas legais possíveis. Temer é um constitucionalista e sabe que caminha no fio da navalha. Não pode dar passos em falso e munição para os adversários atentos a seus mínimos movimentos.
Não há pânico no terceiro e quarto andares do Palácio do Planalto, onde ficam os gabinetes do presidente da República e dos ministros da Casa, respectivamente, ao contrário do que costuma ser noticiado. O que há é um grupo que sabe que sua sobrevivência está em risco e manobra politicamente para salvar a pele. Com seus erros e acertos. A orientação jurídica tem mostrado resultados, depois que o advogado Antonio Mariz de Oliveira assumiu o leme. O tempo que a Polícia Federal levará para executar a perícia do áudio da JBS dirá se a troca no Ministério da Justiça foi apenas uma trapalhada. Na política, o Palácio do Planalto poderia ter sido mais enfático ao assumir o erro que o levou a desmentir - e depois confirmar - que o presidente viajara à Bahia num jatinho da JBS.
No grupo que circula em torno de Temer existe a convicção de que o presidente foi vítima, nas duas últimas semanas, de uma campanha de cerco e aniquilamento. Um fato novo atrás do outro. Na última sexta-feira, o presidente comemorou a abertura de uma brecha pela qual suas forças podem se reforçar ou escapar do assédio do Ministério Público: a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que decidiu arquivar o pedido de impugnação da chapa Dilma-Temer.
A propósito: o PT comemorou discretamente o resultado, pois a decisão do tribunal absolveu Dilma e o partido da prática de crime eleitoral na campanha de 2014, sem o desgaste sofrido por Temer. Dilma manteve os direitos políticos (a questão penal segue em Curitiba) e o PT se livrou de mais complicações na Justiça Eleitoral. Não se pode dizer (ainda) que o PT ficará com Temer na votação do pedido de autorização para a abertura do processo no Supremo, afinal, o presidente foi o algoz de Dilma. Mas é difícil imaginar o PT quebrando pedras para ajudar Janot a colocar 342 deputados no plenário da Câmara. Faltar à sessão já será de grande ajuda para Temer, cujo governo só faz crescer os pontos do partido nas pesquisas.
Importante para o presidente, no momento, é manter o PSDB sob controle. O dilema tucano é o discurso para justificar a decisão: fica (no governo) com o discurso de quem está saindo ou sai com discurso de quem está ficando?
A saída dos tucanos não deve provocar um "estouro da boiada", mas vai dobrar o esforço que Temer precisa fazer para se manter na Presidência.
No terceiro e quarto andares do Planalto se trabalha com a lógica segundo a qual em política só existe "fato novo ou fato consumado". Se não surgir mais um fato novo, o que é improvável, o fato consumado hoje é que Temer ganha na Câmara. Assim como Sarney ganhou os cinco anos. Nesse aspecto, a sarneyzação já é uma realidade. O desafio do governo agora é impor ao Congresso lógica da polarização Sistema Político X Sistema de Justiça. Para tanto, precisa conversar até com adversários. Se conseguir, pode ganhar com mais de 450 votos.
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