Após derrota, governo estuda novo decreto sobre perdão a condenados
Cármen Lúcia concedeu liminar por considerar que havia ‘ desvio de finalidade’
A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, suspendeu parte dos efeitos do decreto do presidente Temer com regras mais brandas para o indulto de Natal. Ela acolheu recurso apresentado pela procuradorageral da República, Raquel Dodge. Cármen afirmou que as medidas “dão concretude à situação de impunidade, em especial aos denominados ‘ crimes de colarinho branco’”. Para ela, o indulto não pode ser confundido com prêmio nem com tolerância ao crime. O governo estuda novo decreto.
‘Não pode virar impunidade’
Cármen suspende parte do decreto de Temer; Moro elogia: ‘ Governo pode muito, mas não tudo’
Carolina Brígido / O Globo
- BRASÍLIA- A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, concedeu ontem liminar para suspender os trechos do decreto do presidente Michel Temer com regras mais brandas para a concessão do indulto ( perdão) de Natal a presos condenados. A decisão acolhe recurso contra o decreto apresentado pela procuradora- geral da República, Raquel Dodge, na quarta- feira.
Na decisão, em tom duro, Cármen Lúcia afirmou que as regras do decreto “dão concretude à situação de impunidade, em especial aos denominados ‘ crimes de colarinho branco’, desguarnecendo o erário e a sociedade de providências legais voltadas a coibir a atuação deletéria de sujeitos descompromissados com valores éticos e com o interesse público garantidores pela integridade do sistema jurídico”. Para ela, “as circunstâncias que conduziram à edição do decreto, numa primeira análise, demonstram aparente desvio de finalidade”.
A ministra explicou que o indulto é uma medida humanitária, e não “pode ser instrumento de impunidade”. Segundo Cármen Lúcia, pelo indulto, o criminoso ganha uma nova chance de superar seu erro. “Indulto não é prêmio ao criminoso, nem tolerância ao crime”, afirmou a presidente do STF, acrescentando que indulto fora da finalidade estabelecida na lei “é arbítrio”.
A ação foi sorteada para a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que poderá liberar o caso para o julgamento em plenário a partir de fevereiro, quando terminar o recesso do STF.
Responsável pelos processos da Operação LavaJato em Curitiba, o juiz Sergio Moro elogiou a decisão da presidente do Supremo:
— Decisão acertada da ministra Cármen Lúcia. O governo pode muito, mas não pode tudo.
Ex- chefe da secretaria de cooperação internacional do Ministério Público, o procurador Vladimir Aras também comemorou a decisão:
— É muito boa. Restabelece a autoridade do Poder Judiciário e o princípio da garantia e do cumprimento das leis penais.
O ministro da Justiça, Torquato Jardim, reuniu- se com o presidente Temer após a decisão de Cármen Lúcia para avaliar possíveis medidas.
— O que o presidente orientou o Ministério da Justiça é que nós estudemos outros critérios que possam acolher os brasileiros excluídos dessa decisão — disse Jardim em entrevista à TV Globo.
Estes novos critérios, segundo o ministro, exigiriam um novo decreto apenas para os pontos suspensos por Cármen Lúcia.
— Pode ser nesse ano, como pode ser editado no ano que vem com efeito a 25 de dezembro deste ano — afirmou.
Por 17 anos, só teve direito ao indulto quem tivesse cumprido um terço da pena. Entre 1999 e 2009, o benefício era dado a quem tinha sido condenado a uma pena máxima que variava de quatro a oito anos. De 2010 a 2015, a pena máxima para a concessão da liberdade passou a ser de 12 anos. O crime deveria ter sido praticado sem violência, que é o caso de corrupção e lavagem de dinheiro.
Em 2016, veio a primeira mudança importante: o tempo de cumprimento da pena baixou de um terço para um quarto, para condenações de até 12 anos. No decreto deste ano, o tempo de prisão foi reduzido para um quinto, independentemente do tempo total da condenação. A decisão de Cármen Lúcia derruba a possibilidade de indulto para quem cumpriu um quinto da pena. Fica mantida, no entanto, a regra, também prevista no decreto, de benefício para quem cumpriu um terço da pena e não é reincidente.
O decreto deste ano também trazia a possibilidade do indulto mais rápido para gestantes. Cármen Lúcia suspendeu a eficácia desse ponto. Ela fez o mesmo em relação ao artigo que permitia a concessão de indulto a quem tinha sido condenado a pagamento de multa, mas ainda não tinha pago o valor. “Multa, pena pecuniária ou valor aplicado por outra causa não provoca situação de desumanidade ou digno de benignidade, por ser atuação judicial que beneficia a sociedade sem agravar, em demasia ou excessivo agravo, aquele que a tenha merecido em razão dos ilícitos julgados”, escreveu a ministra na decisão.
Também foi suspenso o trecho do decreto que permitia o indulto a quem já teve a pena de prisão substituída por pena alternativa, ou que já estivesse em liberdade condicional. Outro ponto atingido foi a possibilidade da concessão do benefício a condenados em segunda instância que já estavam presos, mesmo que ainda houvesse recurso da acusação pendente de julgamento. (Colaborou Gustavo Schmitt)
Nenhum comentário:
Postar um comentário