Raquel Dodge, sobre a qual rumores davam conta de poder ser parceira do Planalto, e Cármen Lúcia, de imagem arranhada, protagonizam lição ao Executivo
Não foi sem fundamento que se fizeram críticas ao teleguiado decreto emitido pelo presidente Michel Temer, sexta- feira, a fim de definir critérios para a concessão do induto de Natal. Estava evidente que os parâmetros magnânimos estabelecidos pelo presidente visavam a beneficiar condenados por corrupção e por lavagem de dinheiro, entre outros crimes de colarinho branco. Basicamente, políticos e operadores financeiros que atuaram a seu mando.
Daí representantes da Lava- Jato terem reagido à manobra, com vigor, bem como o juiz Sergio Moro, em cuja jurisdição as acusações da operação são julgadas em primeira instância. Sequer recomendações do Conselho de Política Penitenciária e Criminal, para que o presidente recuasse no relaxamento das penas e na inclusão das multas pecuniárias ao perdão foram atendidas. O decreto reduziu o limite do cumprimento da pena, para efeito de recebimento do perdão, dos 25% praticados no ano passado para apenas 20% e também perdoou as multas. Um óbvio exagero.
A primeira reação institucional veio na quarta-feira, da procuradora- geral da República, Raquel Dodge, com uma ação direta de inconstitucionalidade e pedido de liminar ao Supremo contra o ato de Temer, por considera-lo “arbitrário”, “inconstitucional” e “indiscriminado”.
A procuradora, na sua primeira decisão de grande repercussão desde a posse no cargo, em setembro, identificou no decreto de Temer uma demonstração de poder ilimitado, sendo que, “na República, nenhum poder é ilimitado” .
Dodge citou, sem rodeios, a Lava- Jato, como uma das vítimas do indulto nos termos propostos pelo Planalto, interpretação que o governo insistia em negar.
O próprio ministro da Justiça, Torquato Jardim, depois de Raquel Dodge impetrar a ação, redigiu artigo, publicado ontem à arte no site do GLOBO, em defesa do decreto, e afirmando que o perdão é ato do presidente da República. “Não depende de vontade judicial nem de alvitre do Ministério Público.”
Aconteceu o oposto. Plantonista do Supremo no recesso do Judiciário, a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, acolheu a argumentação de Dodge e suspendeu parte do decreto. Expressouse em termos duros, como requer a situação: “Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade” (...); “Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito”. Quanto ao perdão de multas, Cármen Lúcia o tachou de “agravo à sociedade”.
A ação irá para o relator, ministro Luís Roberto Barroso, e será julgada depois do recesso. No plenário ou não, a depender de Barroso. Mas a atitude de Dodge e a resposta de Cármen Lúcia continuarão a repercutir, porque se tratam de uma resposta firme de instituições republicanas a uma investida ousada do Executivo contra o estado democrático de direito. E, por uma dessas coincidências, a partir da iniciativa da procuradora que assumiu envolta em rumores desinformados de que seria parceira do Planalto; e de uma presidente do Supremo que tivera a imagem arranhada, não faz muito tempo, ao permitir, com seu voto de minerva, que o Senado livrasse Aécio Neves de medidas cautelares determinadas pela Justiça.
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