- O Globo
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, saiu- se com galhardia da primeira das pelo menos duas situações politicamente delicadas que tem que enfrentar durante este recesso. Diz- se em Brasília que durante o recesso vários assuntos desimportantes ganham relevância. São as flores do recesso. Mas este parece que não terá flores para Cármen Lúcia.
Ao indulto natalino, se somará a provável condenação do ex- presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4 ª Região (TRF- 4), que pode gerar a determinação de cumprimento imediato da pena em regime fechado.
O caso pode chegar ao STF ainda em janeiro, caso o Superior Tribunal de Justiça ( STJ) negue um habeas corpus, demandando da presidente uma decisão mesmo antes do fim do recesso. Circula em Brasília a informação de que Cármen Lúcia já revelou em conversas reservadas que concederá um habeas corpus se a defesa de Lula chegar ao STF.
Ela não comentou diretamente, mas ao site “O Antagonista”, que divulgou essa versão, garantiu que defende o direito de liberdade de expressão. A presidente do Supremo não poderia desmentir ou confirmar a informação, pois estaria adiantando sua decisão, mas não é improvável que evite a prisão imediata de Lula, embora possa provocar reações negativas na opinião pública.
A aparente incongruência, pois Cármen Lúcia foi um dos votos favoráveis à permissão de prisão após condenação em segunda instância, sem necessidade de aguardar o trânsito em julgado, teria explicação na prudência, como alegou o juiz Sergio Moro ao condenálo a nove anos e seis meses por lavagem de dinheiro e corrupção passiva no caso do tríplex do Guarujá.
Moro diz na sentença que “caberia custódia preventiva do ex- presidente”, pela “orientação a terceiros para destruição de provas”, mas que a “prudência recomenda” que se aguarde julgamento pela Corte de Apelação “considerando que a prisão cautelar de um ex- presidente não deixa de envolver certos traumas”.
Daí depreende- se que Moro considera que, após a decisão da segunda instância, a prisão deveria ser efetivada. Mas a decisão do Supremo não obriga juízes a mandarem prender os condenados antes do trânsito em julgado, apenas autoriza a prisão, dependendo de cada caso. As decisões do TRF- 4 têm sido no sentido de mandar cumprir a sentença após a condenação, mas, nesse caso específico, a tendência pode ser alterada, por se tratar de um ex-presidente.
E a ministra Cármen Lúcia pode transformar a prisão em domiciliar, por exemplo, impondo medidas cautelares adicionais. Já manter Lula afastado da atividade política é discutível, pois nenhuma medida cautelar desse tipo está prevista na legislação. Ele estaria recorrendo em paralelo contra a inelegibilidade eleitoral, de tornozeleira e tudo, e poderia continuar fazendo campanha. Provavelmente mesmo dentro da cadeia poderá fazê- lo, assim como José Dirceu, solto ou preso, continua atuando politicamente.
Na decisão sobre o indulto de Natal expandido por Temer, Cármen Lúcia alega que “as circunstâncias que conduziram à edição do decreto demonstram aparente desvio de finalidade”. Ela considera que houve “relativização da jurisdição” e “agravo à sociedade”.
A decisão foi tomada diante de uma ação da procuradorageral da República, Raquel Dodge, apresentada ao STF com pedido de urgência. Na decisão, Cármen Lúcia afirmou que as regras do decreto “dão concretude à situação de impunidade, em especial aos denominados ‘ crimes de colarinho branco’, desguarnecendo o erário e a sociedade de providências legais voltadas a coibir a atuação deletéria de sujeitos descompromissados com valores éticos e com o interesse público garantidores pela integridade do sistema jurídico”.
Para ela, “as circunstâncias que conduziram à edição do decreto, numa primeira análise, demonstram aparente desvio de finalidade”. Na decisão, a ministra explicou que o indulto é uma medida humanitária, e não um meio para favorecer a impunidade. “Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade”, do contrário se transforma em “indolência com o crime e insensibilidade com a apreensão social, que crê no direito de uma sociedade justa e na qual o erro é punido e o direito respeitado”.
Tanto a presidente do STF quanto a procuradora-geral usam argumentos semelhantes e duros ao afirmarem que o indulto fora da finalidade estabelecida na lei “é arbítrio”, segundo Cármen Lúcia. Já Raquel Dodge escreveu que “o chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder indulto. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira”.
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