A defesa da presença forte do Estado na economia é um traço do ideário brasileiro que transcende a tradicional dicotomia direita-esquerda. Note-se, por exemplo, que a criação de empresas estatais ganhou impulso em momentos tão diferentes quanto o derradeiro governo de Getúlio Vargas (1951-54) e a ditadura militar (1964-85).
Não chega a espantar, assim, a opinião nacional majoritariamente hostil a privatizações, apurada pelo Datafolha entre eleitores das mais variadas preferências.
Rejeitam a ideia 58% dos que declaram intenção de voto presidencial em Jair Bolsonaro (PSC), um apologista do regime autoritário; o índice chega aos 80% no grupo que prefere reconduzir ao Planalto Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cujo partido abraça a defesa das estatais com ardor sindicalista.
No país como um todo, 70% se dizem contrários à venda das empresas, e 20%, favoráveis —o restante se declarou indiferente ou não respondeu. As cifras são quase idênticas quando se apresenta a hipótese de negociar a Petrobras.
Parece plausível que os percentuais sofram alguma influência da rejeição esmagadora ao governo Michel Temer (PMDB). Em março de 2015, quando a gestão petista era assolada pelos escândalos de corrupção na petroleira, 61% se opunham a sua privatização, então apoiada por 24%.
Tal proposta, diga-se, não estava nem está em pauta. Apenas se retomou, neste momento de colapso orçamentário, o debate em torno do processo de desestatização, abafado nos últimos anos por um misto de propaganda obscurantista e oportunismo das forças que vicejam no Leviatã brasileiro.
Fala-se aqui de 149 empresas só no âmbito federal —de bancos e energéticas a uma fábrica inconclusa de hemoderivados e uma emissora de TV de audiência próxima de zero; nas quais se encontram casos de atuação relevante e de mera fonte de verbas e empregos para grupos políticos.
Os benefícios proporcionados por esse aparato são palpáveis para quem os recebe; os custos, diluídos entre todos os cidadãos, costumam passar despercebidos.
A repulsa à venda de estatais cai conforme crescem a escolaridade e a renda dos entrevistados, num sinal de que o acesso à informação importa. Há um trabalho de esclarecimento a ser feito, não em favor da privatização generalizada, mas para que o tema deixe de ser tabu.
A agenda precisa contemplar ainda o aprimoramento do ambiente empresarial do país, em muitos setores ineficiente e dependente dos favores do Estado —a reforçar, possivelmente, a desconfiança dos brasileiros quanto à administração privada da economia.
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