- Valor Econômico
Já no primeiro dia, Bolsonaro inicia a luta contra o tempo
Esbaforido e descabelado, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou ao Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, minutos antes do início da cerimônia de diplomação do presidente eleito, Jair Bolsonaro, no Tribunal Superior Eleitoral, a quilômetro dali, onde ele deveria estar naquele momento. A diplomação precede a posse que precede a nomeação do ministro. Deu tempo, mas teve que se explicar porque estava sem o convite e seu rosto ainda não é conhecido de porteiros e recepcionistas. Ele vinha de uma semana acamado, no Rio. No auge da transição e das nomeações, uma gripe o abateu com imunidade baixa, certamente.
Esse Paulo Guedes assoberbado, carregando o mundo Bolsonaro nas costas, é uma espécie não de ministro, mas de presidente para a Economia. Jamais se ouviu dele qualquer comentário sobre o restante do governo nem do restante do governo sobre assuntos da economia. É senhor absoluto e responsável pelo sucesso ou fracasso do governo que nele deposita suas esperanças. Um Paulo Guedes sobrecarregado é o flanco vulnerável número um do governo Jair Bolsonaro.
Desde o início das nomeações, Sergio Moro foi um trunfo do presidente eleito e sua indicação para o Ministério da Justiça considerada uma jogada de mestre. Outra área da qual o presidente vai abrir mão no seu governo para deixar-se comandar pelo juiz popular. Para Moro, no entanto, a avaliação geral sempre foi de que o negócio não tinha sido tão bom assim, mesmo que ele estivesse à espreita de uma oportunidade para transportar-se da magistratura para a política. O que acontecerá com o ministro da Justiça de Bolsonaro na primeira convocação para falar no Senado ou na Câmara sobre irregularidades, desmandos, rasteiras, práticas viciadas do governo ou de membros da família presidencial? Já foi cobrado pelas irregularidades denunciadas no gabinete de Flávio Bolsonaro, no Rio. Flávio não estará na plateia de Moro? Os ministros da Justiça têm sido uma espécie de anteparo do presidente da República. Moro terá condições de ser essa pessoa para Bolsonaro? Então, investigações e punições até ontem eram com ele, agora não são mais? De trunfo se transformará em flanco vulnerável, já está sendo.
Dos três filhos políticos só se esperam problemas. Demonstraram, até agora, na campanha e na transição, que eram, são e serão um flanco aberto aos tiros contra o pai e o governo inteiro. Até o vice-presidente eleito, Hamilton Mourão, de quem se esperava autoria na maior parte das confusões do governo, tem vindo com declarações ponderadas que buscam colar cristais quebrados pelos Bolsonaro. O mais animado é o deputado Eduardo, misto de parlamentar do PSL e chanceler de fato. Uma vulnerabilidade de dimensões internacionais.
Mas não existe, visível até agora, flanco maior aberto ao tiroteio do que o partido do presidente, o PSL, que abrigou sua candidatura e com ele conseguiu eleger uma grande bancada, governadores, vereadores, saindo do nada para um nanico hiperdimensionado, habitado por um conjunto de personagens do baixo clero. Antes da posse, já se engalfinham para oferecer candidato à presidência da Câmara, querem ministério, disputam as lideranças do governo, fazem investidas ao gabinete de transição para reclamar e exigir. Se a relação do presidente com esse grupo não for de ascendência absoluta, haverá uma coreografia diária de novos pavões na Câmara e no Senado. A extensão da vulnerabilidade do presidente desse lado da batalha dependerá dele próprio.
Prevê-se que Onyx Lorenzoni, ministro indicado para a Casa Civil, trocará o DEM pelo PSL, fazendo com que o partido de Bolsonaro tenha mais um cargo importante no Palácio do Planalto e facilite sua interlocução com a Câmara. Na verdade, essa articulação política será dividida entre dois ministros, um político e um militar, sendo que o ministro político, Onyx, é um amigo de quem o presidente eleito se aproximou por causa da camaradagem entre os integrantes do baixo clero que ocupam cadeiras vizinhas no plenário da Câmara. Confiando cegamente, não levou em consideração a capacidade de liderança e interlocução do deputado. Isso faz da relação com o Congresso, onde estabeleceu conversa com as bancadas temáticas e não com os partidos, uma caixinha de más surpresas.
Parece já ter ficado claro que as bancadas temáticas querem discutir questões do interesse de seus negócios com o ministro da sua área. Votar reforma da Previdência? Ah, isso é outra coisa, é com o partido, já disse um dos lideres ruralistas ao governo e à sociedade, em manifestação recente, mostrando as intenções desse tipo de agrupamento.
Bolsonaro não tem um grupo forte que o apoie, a relação com a família é de pouca serventia política e tem ficado mais ou menos claro que o general Augusto Heleno, de seu Gabinete de Segurança Institucional, é e será braço direito no dia a dia do Planalto. Em algum momento o presidente perceberá que, para votações, bancadas temáticas não funcionam.
O presidente tem que se jogar na solução dos problemas o mais urgentemente possível. Tem que assumir, organizar os setores, aprovar medidas e ir adiante.
Às vezes não dá tempo. Quando Fernando Collor demitiu o ministério velho e criou um ministério de notáveis, com Marcílio Marques Moreira e Célio Borja, não deu mais tempo para nada. Com Dilma Rousseff ocorreu o mesmo, quando colocou Jaques Wagner na Casa Civil o impeachment já estava à sua porta.
Está claro que Jair Bolsonaro terá que avivar o espírito de luta contra o tempo antes mesmo de sentar-se à cadeira de presidente Embora pareça desorientado, forçado a desmentir - o que faz timidamente - anúncios e declarações polêmicas de seu filho, não dá um sinal de como qual será o rumo.
As ideias têm o poder de organizar o que está embaralhado. Ninguém espera conhecê-las em sua totalidade antes do discurso de posse, momento adequado para expô-las, mas algo mais consistente do que manifestações esporádicas já deveria ter sido dado a conhecer. Por exemplo: qual o significado dessa internacional de direita que Eduardo Bolsonaro liderou na reunião de Foz do Iguaçu? Ou: as declarações a favor da Escola sem Partido é uma decisão ou mera crítica a alguns professores?
A transição foi rápida e decisiva na escolha e indicação de pessoas para integrarem o governo, mas termina, esta semana e na próxima, sem que os brasileiros saibam o que estas pessoas vão fazer com o poder conquistado. A agenda fragmentada, pontual, espasmódica, dispersa como tem sido, pode funcionar para campanha eleitoral, não para governar.
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