quinta-feira, 4 de abril de 2019

Governo passa a dialogar com o Congresso e reforma anda: Editorial /Valor Econômico

Depois das escaramuças gratuitas do presidente Jair Bolsonaro com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia - e antes das próximas - a reforma da previdência começou a andar. Algumas definições dos deputados começaram a se decantar, ratificando os principais comentários informais dos partidos a respeito das propostas do governo. As mudanças nos benefícios de prestação continuada e na aposentadoria rural, como estão, não deverão ser aprovadas, segundo Maia - mas elas podem mudar. A capitalização, que vem ganhando ênfase maior e prematura nos discursos do ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda que seus detalhes não sejam conhecidos, também parece em princípio que pode não passar no funil do que os partidos consideram aceitável. Mas tudo está por ser negociado.

Para a negociação agora avançar contribui a disposição do presidente de se reunir com os líderes dos partidos no Congresso, a começar pelas legendas do centrão, como PRB, PP, PR e PSD. Bolsonaro já deu antecipadamente, e mais do que o necessárias, indicações do que pode ser negociado. Suas declarações de que reforma da previdência boa é a que é aprovada é ambígua e pode ser entendida como a aceitação de qualquer resultado. Falta uma defesa enfática de que, ainda que caiba ao Congresso "aperfeiçoar" a proposta do governo, ela é a melhor que sua administração pode oferecer e deveria ser ratificada, com correções secundárias.

Contribui também para desanuviar o ambiente de conflito os diálogos de Guedes com as legendas e as comissões - ontem ele passou horas na Comissão de Constituição e Justiça defendendo sua proposta. Dentro e fora do Congresso, Guedes deixou claro que o esquema de capitalização da previdência dependerá da feição e da profundidade da reforma aprovada, o que será medido pela economia que restar dos R$ 1,2 trilhão pretendidos. Os pontos polêmicos da capitalização, porém, podem atrair mais oposição às mudanças.

As mais recentes indicações do ministro são de que não haverá contribuição patronal, como ocorreu no modelo original de inspiração, o chileno. Antes não parecia ser este o desenho, que então contemplava algum tipo de tributo sobre as empresas. Seria uma correção necessária à óbvia deficiência do modelo do Chile. Guedes entusiasma-se com a capitalização, atribuindo-lhe um avanço do emprego e do aumento da renda per capita. Sem dúvida, ela teve esses efeitos. Mas a renda per capita do Chile não chegou aos U$ 26 mil como disse ontem na Câmara (é de US$ 23,6 mil por paridade do poder de compra, ante US$ 15,2 mil do Brasil, segundo dados do FMI de 2017). O sistema previdenciário, de acordo com o relatório da última missão técnica do FMI, em 2018, precisa de "reforma urgente". Apesar de reconhecer que ela ajudou a desenvolver o mercado de capitais e reduzir os riscos fiscais, o Fundo aponta que "não propiciou benefícios adequados para grande parte dos aposentados". A saída estudada é mais dinheiro do Estado e aportes privados.

Guedes defende apenas contribuições individuais por 20 anos. O erro chileno é básico: com uma distribuição de renda ruim, a poupança exclusiva dos trabalhadores a refletirá - as aposentadorias no Chile hoje estão abaixo do salário mínimo. A taxa de poupança privada do país oscila nos últimos cinco anos em torno de 19%, não muito superior à do Brasil no último ano do governo Lula. As ideias de Guedes sobre a reforma do trabalho, vinculada à capitalização, ampliam a desconfiança sobre a viabilidade da proposta. Rodrigo Maia também já disse que sem contribuição patronal a capitalização não passará.

Antes da capitalização, há obstáculos importantes. Derrubar o BPC retirará boa parte dos R$ 182,2 bilhões estimados com a "assistência fásica" e a "focalização" do abono salarial. O governo tem meios de evitar isso com propostas intermediárias. O mais importante, porém, é garantir que a reforma reduzirá injustiças. Um alvo é ampliar a idade de aposentadoria dos servidores públicos contratados antes de 2003, que têm direito a integralidade e paridade com os ativos, a que se opõem as corporações. Não há como manter esse ponto essencial, sensato e racional, se o mesmo não for estendido aos militares.

Paulo Guedes não toca nesse assunto, que pode ter um efeito devastador sobre a reforma. Não faz sentido manter integralidade e paridade para os militares e negá-los aos servidores. O risco é concedê-los a ambos e derrubar princípios e efeitos da reforma.

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