- Folha de S. Paulo
Instituições podem beneficiar-se do risco assumido por indivíduos?
Até onde vai a autonomia das pessoas? Qual o nível de perigo que cada um de nós está autorizado a correr? Instituições podem beneficiar-se do risco assumido por indivíduos?
Ainda não temos uma vacina contra a Covid-19, mas estão em curso várias iniciativas para desenvolvê-la.
Fala-se, não sem uma boa dose de otimismo, em um ano e meio até que uma esteja disponível. O ponto central aqui é que, em tese, seria possível reduzir em vários meses o tempo de testes da vacina se permitirmos que voluntários que a tenham tomado se inoculem de propósito com o vírus para descobrir rapidamente se o imunizante de fato funciona. É ético fazê-lo?
No plano individual, não penso que haja muito espaço para dúvida. Se eu posso tentar escalar o Everest, por que não poderia correr um risco menor participando de um experimento em que me contaminasse propositalmente com o Sars-CoV-2? No primeiro caso, eu atenderia apenas a meu ego alpinístico, no segundo, estaria prestando um serviço à humanidade.
A questão se torna mais complexa quando perguntamos se é aceitável que uma instituição como a ciência, que deve sempre balizar-se por rígidos critérios éticos, participe de uma iniciativa que de algum modo coloque pessoas em perigo.
Eu concordo que, para a ciência, as linhas vermelhas devem ser mais estritas do que para indivíduos. Um experimento que envolva matar diretamente uma pessoa será sempre necessariamente antiético. Mas penso que, se o nível de perigo individual for relativamente baixo e o benefício esperado, alto, a ciência pode aceitar ações altruístas de voluntários, desde que estejam devidamente esclarecidos dos riscos e não se poupem esforços para minimizá-los ainda mais.
Na ética que pauta as investigações científicas, afinal, todas as vidas valem o mesmo e, no atual quadro pandêmico, cada semana de antecipação de uma vacina significa milhares de mortes a menos.
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