“É o problema das relações entre estrutura
e superestrutura que deve ser posto com exatidão e resolvido para que se possa
chegar a uma justa análise das forças que atuam na história de um determinado
período e determinar a relação entre elas. É necessário mover-se no âmbito de
dois princípios: 1) o de que nenhuma sociedade se põe tarefas para cuja solução
ainda não existam as condições necessárias e suficientes, ou que pelo menos não
estejam em via de aparecer e se desenvolver; 2) e o de que nenhuma sociedade se
dissolve e pode ser substituída antes que se tenham desenvolvido todas as
formas de vida implícitas em suas relações (verificar a exata enunciação destes
princípios). [“Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam
todas as forças produtivas que ela contém, e jamais aparecem relações de
produção novas e mais altas antes de amadurecerem no seio da própria sociedade
antiga as condições materiais para sua existência. Por isso, a humanidade se
propõe sempre apenas os objetivos que pode alcançar, pois, bem vistas as
coisas, vemos sempre que estes objetivos só brotam quando já existem ou, pelo
menos, estão em gestação as condições materiais para sua realização” (Prefácio
à Crítica da economia política). Da reflexão sobre estes dois cânones
pode-se chegar ao desenvolvimento de toda uma série de outros princípios de
metodologia histórica. Todavia, no estudo de uma estrutura, devem-se distinguir
os movimentos orgânicos (relativamente permanentes) dos movimentos que podem
ser chamados de conjuntura (e que se apresentam como ocasionais, imediatos,
quase acidentais). Também os fenômenos de conjuntura dependem, certamente, de
movimentos orgânicos, mas seu significado não tem um amplo alcance histórico:
eles dão lugar a uma crítica política miúda, do dia a dia, que envolve os
pequenos grupos dirigentes e as personalidades imediatamente responsáveis pelo
poder. Os fenômenos orgânicos dão lugar à crítica histórico-social, que envolve
os grandes agrupamentos, para além das pessoas imediatamente responsáveis e do
pessoal dirigente. Quando se estuda um período histórico, revela-se a grande
importância dessa distinção. Tem lugar uma crise que, às vezes, prolonga-se por
dezenas de anos. Esta duração excepcional significa que se revelaram (chegaram
à maturidade) contradições insanáveis na estrutura e que as forças políticas
que atuam positivamente para conservar e defender a própria estrutura
esforçam-se para saná-las dentro de certos limites e superá-las. Estes esforços
incessantes e perseverantes (já que nenhuma forma social jamais confessará que
foi superada) formam o terreno do “ocasional”, no qual se organizam as forças
antagonistas que tendem a demonstrar (demonstração que, em última análise, só
tem êxito e é “verdadeira” se se torna nova realidade, se as forças
antagonistas triunfam, mas que imediatamente se explicita numa série de
polêmicas ideológicas, religiosas, filosóficas, políticas, jurídicas, etc.,
cujo caráter concreto pode ser avaliado pela medida em que se tornam
convincentes e deslocam o alinhamento preexistente das forças sociais) que já
existem as condições necessárias e suficientes para que determinadas tarefas
possam e, portanto, devam ser resolvidas historicamente (devam, já que a não
realização do dever histórico aumenta a desordem necessária e prepara
catástrofes mais graves). O erro em que se incorre frequentemente nas análises
histórico[1]políticas
consiste em não saber encontrar a justa relação entre o que é orgânico e o que
é ocasional: chega-se assim ou a expor como imediatamente atuantes causas que,
ao contrário, atuam mediatamente, ou a afirmar que as causas imediatas são as
únicas causas eficientes. Num caso, tem-se excesso de “economicismo” ou de
doutrinarismo pedante; no outro, excesso de “ideologismo”. Num caso,
superestimam-se as causas mecânicas; no outro, exalta-se o elemento
voluntarista e individual. (A distinção entre “movimentos” e fatos orgânicos e
movimentos e fatos de “conjuntura” ou ocasionais deve ser aplicada a todos os
tipos de situação, não só àquelas em que se verifica um processo regressivo ou
de crise aguda, mas àquelas em que se verifica um processo progressista ou de
prosperidade e àquelas em que se verifica uma estagnação das forças
produtivas.) O nexo dialético entre as duas ordens de movimento e, portanto, de
pesquisa dificilmente é estabelecido de modo correto; e, se o erro é grave na
historiografia, mais grave ainda se torna na arte política, quando se trata não
de reconstruir a história passada, mas de construir a história presente e
futura: os próprios desejos e as próprias paixões baixas e imediatas constituem
a causa do erro, na medida em que substituem a análise objetiva e imparcial e
que isto se verifica não como “meio” consciente para estimular à ação, mas como
autoengano. O feitiço, também neste caso, se volta contra o feiticeiro, ou
seja, o demagogo é a primeira vítima de sua demagogia.”
*Antonio Gramsci (1891-1937). Cadernos do
Cárcere, v.3. p.36-8. Civilização Brasileira, 2007.
Um comentário:
Marxismo puro.
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