O Globo
O governo fala em reforma tributária e
requenta um imposto do Estado Novo
Era pedra cantada, e as repórteres Geralda
Doca e Victoria Abel mostraram a receita. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho,
cozinha um projeto de restabelecimento do imposto sindical, extinto em 2017,
durante o governo de Michel Temer.
Esse imposto cobrava anualmente um dia de trabalho a todos os assalariados,
para financiar as máquinas dos sindicatos e federações.
Para dar um toque de modernidade à tunga,
ele virá com outro nome e se chamará contribuição. Pelo formato atual, será
equivalente a 1% do rendimento anual do trabalhador, sindicalizado ou não.
Pelas contas do professor José Pastore, um cidadão com salário de R$ 3 mil
mensais pagava R$ 100 a cada ano. Neste novo sistema, considerando-se o 13º
salário, pagará R$ 390. Quase quatro vezes.
O ministro Marinho sustenta que “uma
democracia precisa ter um sindicato forte”. Segundo ele:
— O que está em debate é criar uma contribuição negociável. Se o sindicato está prestando um serviço, possibilitando um aumento salarial, é justo que o trabalhador não sindicalizado pague a contribuição. Se ele não aceitar pagar a taxa, é só ir à assembleia e votar contra.
Na parolagem, faz todo o sentido. Levando
em conta que a maioria dos trabalhadores não é sindicalizada, e a maioria dos
sindicalizados não vai às assembleias, o palavrório serve apenas para adoçar
uma tunga. O trabalhador pode votar contra, mas, perdendo, deverá pagar.
O professor José Márcio Camargo, que, como
Pastore, conhece a economia do trabalho e o mundo dos sindicatos, não gostou da
ideia:
— Acho péssimo porque obriga o trabalhador
a pagar algo que ele não escolheu. E aumenta o custo do trabalho,
principalmente dos trabalhadores menos qualificados. (...) Para ter uma
contribuição deste tipo, é fundamental acabar com a unicidade sindical antes.
Bingo. O nome do problema está na unicidade
sindical, herança do Estado Novo. Se um sindicato luta pelos seus associados e
consegue um acordo benigno negociando com os patrões, merece ser remunerado. A
maioria dos sindicatos brasileiros presta maus serviços e negocia pouco. Como
cada categoria só pode ter um sindicato, o trabalhador não tem para onde correr
e acaba mordido. Quebrada a herança da unicidade, os sindicatos serão obrigados
a competir pelos associados. Quando Lula era dirigente sindical, defendia a
libertação dos trabalhadores, mas esse Lula é coisa do século passado.
É possível que a mordida de 1% sobre o
rendimento anual dos trabalhadores seja um bode. Se ela for reduzida a 0,5% do
rendimento anual, ainda assim equivalerá ao dobro do valor do imposto extinto
em 2017.
O fim do velho imposto sindical secou as
arcas das guildas. Estima-se que a arrecadação compulsória rendia R$ 3,6
bilhões. Tornada voluntária, caiu para R$ 68 milhões. Essa é a cifra que
reflete a disposição dos trabalhadores de financiar seus sindicatos.
Marinho diz que uma democracia precisa de
“um sindicato forte”. Talvez seja melhor refraseá-lo: uma democracia precisa de
vários sindicatos fortes em cada categoria. Um governo que se orgulha do
aspecto modernizador de sua reforma tributária, cantada como vinho, cozinha no
vinagre uma tunga que favorece um sistema cartorial e monopolista de
organização sindical.
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