Folha de S. Paulo
Meios, modos e eufemismos na promoção de um
extremista à Presidência
Domingo passado, o governador Tarcísio de
Freitas, após votar, convocou entrevista coletiva na TV. Não
sozinho, mas ao lado de seu candidato a prefeito. Ocasião estranha para
interação com a imprensa. Faltavam horas para o fechamento das urnas e não
havia fato excepcional que pedisse, naquele minuto específico, uma coletiva.
Uma jornalista de cartilha perguntou: "O que aconteceu em relação ao PCC?" Tarcísio respondeu: "Teve o ‘salve’. Houve interceptação de conversas de presídios por parte de organização criminosa orientando determinadas pessoas a votar em determinado candidato". Outra voz emenda: "Qual era o candidato?" Tarcísio bateu: "Boulos".
O que fazer com essa declaração, que
jornalistas de cartilha consideram informação? Publique-se sem apuração antes
mesmo de as urnas fecharem, pois temos direito a voto "consciente e
informado". Manchete: "Tarcísio diz que PCC pediu voto em
Boulos". Se estiver inseguro, a cartilha sugere adjetivo imunizador:
"Suposta ordem do PCC pedindo voto em Boulos", "três supostos
bilhetes". Assim resolve o suposto risco.
Difundir desinformação com potencial de
afetar normalidade da eleição gera
cassação de mandato e inelegibilidade, já entendeu a Justiça
Eleitoral. Aconteceu com o ex-deputado Fernando Francischini e com Jair
Bolsonaro, punidos. Pablo Marçal, no primeiro turno, e Tarcísio de Freitas, no
segundo, fizeram o mesmo. Salvo engano. Com agravante: em cima da hora, para que
a desinformação fosse irreversível. Supostamente.
Operação jornalística de redução de danos
entrou em campo. Maestra no jornalismo de cartilha, comentarista de TV admite
que Tarcísio jogou sujo. Mas recorre à lógica: "Tarcísio não convocou
entrevista pra isso. Foi falta de malícia, de sacada política. Ele já sabia que
o Nunes ia vencer." Logo, pode ter sido sujo, mas não um crime, uma
interferência que virou o jogo.
Em sua coluna, a comentarista de cartilha
examina a plausibilidade do "salve" do PCC a Boulos: "Esse apoio
faz até sentido, por questão objetiva: a direita, com Tarcísio no governo,
Nunes na prefeitura e seu vice, coronel aposentado da PM, tem um discurso muito
mais radical contra o crime organizado, enquanto a esquerda, como Boulos e sua
vice, Marta Suplicy (PT), defende combate ao crime com respeito a direitos
humanos." Mas ressalva: "Isso não significa vínculo nenhum."
Profissionais da linguística e da semiótica
teriam muito a dizer sobre trecho tão exemplar. Uma riqueza de técnicas
discursivas e disfarces, símbolos e preconceitos. A preferência do PCC por
"direitos humanos", logo esquerda, logo Boulos, foi só mais uma
grande sacada. O PT entre parênteses, único partido citado no raciocínio, foi
um ato falho.
Vale elucidar a cartilha jornalística para
ajudar a eleger Tarcísio. Bastante gente vai continuar a obedecê-la nos
próximos dois anos. A lista completa de seus mandamentos virá em outra coluna.
A cartilha começa pela lição de linguagem.
Jamais chame Tarcísio de extremista. Apesar dos vínculos com Bolsonaro, de
abraçar estratégias de Bolsonaro, de professar
valores e políticas públicas de Bolsonaro, de ter sido dos maiores
frequentadores das lives de humor negacionista de Bolsonaro, não cospe no
cercadinho como Bolsonaro.
Um moderado, esse o adjetivo primeiro.
4 comentários:
Não entendi o desespero do governador,eram favas contadas a reeleição de Nunes,o que fará um Tarcísio candidato a presidente numa disputa apertada?
Magnífica coluna! "Vale elucidar a cartilha jornalística para ajudar a eleger Tarcísio. Bastante gente vai continuar a obedecê-la nos próximos 2 anos." O crime eleitoral do governador será julgado e punido?
Não resisto, tenho que repetir a conclusão do colunista:
"Jamais chame Tarcísio de extremista. Apesar dos vínculos com Bolsonaro, de abraçar estratégias de Bolsonaro, de professar valores e políticas públicas de Bolsonaro, de ter sido dos maiores frequentadores das lives de humor negacionista de Bolsonaro, não cospe no cercadinho como Bolsonaro."
Tarcísio não poderia ser um bolsonarista moderado? Ou será que não existem bolsonaristas moderados?
Postar um comentário