O Estado de S. Paulo
Ainda podemos viver juntos? Cerimônia do dia 8 repõe a questão diante do desafio do ‘nós’ contra ‘eles’
No dia 8, os chefes dos três Poderes vão se
reunir em Brasília para lembrar o maior ataque à democracia durante a Nova
República. Governadores identificados com a direita estarão ausentes do evento
em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será o último a falar antes do
descerramento de uma placa alusiva aos fatos e da entrega simbólica do exemplar
da Constituição roubado do Supremo. Ou seja: passado um ano, a desunião e a
polarização permanecem.
Em seu livro A Democracia Desafiada, o professor Marco Aurélio Nogueira relembra a pergunta originalmente feita por Alain Touraine: afinal, poderemos viver junto? “A possibilidade de convivência nas sociedades em que vivemos depende essencialmente da existência de um pacto mínimo sobre o que significa viver juntos”, escreve Nogueira.
Os anos que antecederam o 8 de Janeiro e o
que o seguiu mostraram – com a crise climática, a pandemia, a desigualdade
galopante e os desequilíbrios econômicos, além das guerras – que o País e o
mundo estão, como disse Nogueira, carentes de um novo contrato social. Nogueira
é desses pensadores que sabem que qualquer indivíduo que prescinde de uma
vontade coletiva e não procura criá-la, reforçá-la e organizá-la é só um
pretensioso “profeta desarmado”, um fogo-fátuo. Os indivíduos precisarão chegar
a acordos sobre várias questões sem as soluções autoritárias do cesarismo ou do
salvacionismo, que destróem as liberdades ao cultivarem a cizânia e o medo.
Devese reconstruir o consenso majoritário e, periodicamente, renegociá-lo nas
sociedades.
Para explicar o nosso tempo, Nogueira
relembra uma velha imagem da política: a das patologias que aparecessem durante
as crises. “O fato é que o mal-estar está presente no ar.” A angústia se expõe
em uma pergunta: será que meus filhos terão uma vida melhor do que a minha?
A velha promessa da democracia do pós-guerra se vê ameaçada quando pequenos empresários sofrem para manter negócios e trabalhadores, empregos e direitos. Nogueira mostra que se “agarrar ao passado distorce o próprio passado, como se ele tivesse sido perfeito e estivesse suspenso no ar, desistoricizado, sem conter o germe da mudança que nos trouxe até o momento atual; embaça o futuro impedindo que se vislumbre para onde estamos indo”. E conclui ser preciso descomprimir a sociedade com mais democracia, reduzir as polarizações artificiais e ir além da reiteração discursiva que separa os democratas. Muitos dos atores em Brasília deveriam ler uma das últimas advertência de seu livro: “Não podemos nos entregar aos reptos identitários. Se continuarmos insistindo na lógica ‘nós’ contra ‘eles’, iremos retroceder”
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