quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

José Pastore* - Desastre anunciado: a reoneração da folha de pagamento

Correio Braziliense

O custo da contratação sobe ainda mais quando se consideram as despesas com vale transporte, vale alimentação, auxílio creche, licenças (maternidade e paternidade), cotas (deficientes e aprendizes), obrigações de segurança e outro

Depois de mais de um ano de discussão, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.784/2023 que permite às empresas de 17 setores que empregam cerca de 9 milhões de trabalhadores a contribuir para a Previdência Social recolhendo entre 1% e 4,5% do seu faturamento. O diploma foi vetado pelo presidente Lula, mas mantido pelos representantes do povo.

A Medida Provisória 1.202/2023 praticamente anula a referida lei e restabelece o pagamento de alíquotas elevadas ao INSS a partir de 1º de abril de 2024. O ministro Fernando Haddad argumentou que a desoneração não tem efeito na geração de empregos. Ele podia ter defendido essa ideia, com calma, durante as longas discussões da referida matéria.

O Brasil é um dos países que mais oneram a contratação formal. O trabalho é onerado com três tipos de despesas. Em primeiro lugar, há as contribuições sociais obrigatórias (INSS, FGTS, salário educação etc.) que somam 35,80% do salário nominal. Em segundo lugar, há as despesas ligadas à remuneração do tempo não trabalhado (férias, abono de férias, 13º salário, aviso prévio etc.) que chegam a 52,08%. Em terceiro, há a incidência de todos os encargos do primeiro grupo sobre o segundo — o que gera uma despesa de 14,55%. No total, são 102,43% sobre o salário nominal. (José Pastore, Encargos Sociais: implicações para o salário, emprego e competitividade, Brasília, Sebrae, 1994). Na prática, um salário de R$ 2 mil custa para empresa, mais de R$ 4 mil.

O custo da contratação sobe ainda mais quando se consideram as despesas com vale-transporte, vale-alimentação, auxílio creche, licenças (maternidade e paternidade), cotas (deficientes e aprendizes), obrigações de segurança e outros. (André Portela e colaboradores, O custo do trabalho no Brasil, São Paulo: FGV/SP, 2014). Esse elevado custo deprime o salário e induz a informalidade que, entre nós, chega a 40% da força de trabalho ocupada.

Nada disso pode ser negociado. São custos fixos que só poderiam ser compensados por uma produtividade elevada que, no Brasil, é baixíssima —, o que faz subir o custo unitário do trabalho. Nos países avançados, os salários são mais altos, os encargos sociais são menores e a produtividade é elevada. O custo unitário tende a ser mais baixo, o que torna as empresas competitivas. Encargos sociais rígidos e altos conspiram contra salários, emprego e competitividade. Muitos encargos que são fixos no Brasil, são negociados em outros países. Tome o caso das férias. Entre nós, são 30 dias desde o primeiro ano de trabalho, mais um abono que representa 10 dias. Ou seja, são 40 dias de despesas pagas pelas empresas por um tempo não trabalhado.

Em grande parte dos países, a lei estabelece um mínimo menor e permite a negociação de dias adicionais. No México, por exemplo, são 12 dias de férias no primeiro ano de trabalho; 14 dias, no segundo; 16 no terceiro; 18 no quarto e assim por diante, com um teto de 32 dias para quem trabalha na mesma empresa há mais de 30 anos. Em cada período, negociam-se dias adicionais. A negociação é utilizada também para o pagamento da gratificação de Natal (13º salário) e outros benefícios que, entre nós, são fixos.

A legislação brasileira é inflexível e impõe despesas elevadíssimas para se contratar formalmente. Por exemplo, a nova lei dos empregados domésticos adicionou novas despesas de contratação para os empregadores. Resultado: 75% trabalham na informalidade, sem proteções trabalhistas e previdenciárias.

Sei que esse assunto é controvertido. Mas a sistemática de desoneração foi estabelecida há muitos anos e a recente renovação aprovada pelo Congresso Nacional definiu um horizonte para as empresas. A Medida Provisória 1.202/2023, de repente, anula tudo de maneira brutal e rápida, o que desnorteia o planejamento dos empregadores.

Algumas empresas conseguirão passar o acréscimo de custo aos preços, mas isso não será fácil. Como aumentar de repente as tarifas de ônibus e outros meios de transporte? Como aumentar o valor dos fretes? Como passar para o preço de uma grande obra que está contratada por preço fixo há muito tempo? Na prática, essa alternativa é pouco viável. A grande maioria das empresas terá de reduzir seu quadro de pessoal e fazer isso com rapidez porque, depois de 1º de abril, as demissões custarão muito mais caras. A partir daquela data, as verbas rescisórias serão calculadas na base de 20% de contribuição ao INSS.

Gostaria de desejar aos meus leitores um feliz ano novo, mas não consigo. Estamos diante de um grande imbróglio que gerou uma enorme insegurança para as empresas e para a vida dos trabalhadores brasileiros. Espero que os congressistas devolvam essa MP ao governo. 

*JOSÉ PASTORE, professor aposentado da FEA-USP, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras

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