Valor Econômico
Os 10% mais ricos responderam por 41,6% do
total de deduções no Imposto de Renda
Aproveitando o recesso acadêmico na
Universidade de Cambridge, tive a oportunidade de desfrutar do nosso calor
humano, da culinária e da natureza do nosso país. Em uma conversa com amigos,
discutimos o significado de pertencer à classe média no Brasil e se o governo
deveria tributar proporcionalmente mais ou não os mais ricos.
De forma geral, havia a percepção de que a
maioria fazia parte da classe média e não da rica no país, e que a tributação
deveria ser progressiva. Ou seja, a percepção geral era de que os mais ricos
deveriam pagar uma proporção maior de seus rendimentos em impostos, e a grande
maioria dos amigos não pertencia à classe rica.
Então, comentei que, se fizéssemos uma fila em que todos os adultos do país fossem ordenados por renda, da maior para a menor, em qual decil de renda cada um achava que estaria: entre os 10%, 20% ou 30% mais ricos, ou mais próximo da mediana - 50% mais ricos, que deveria ser a classe média? A maioria ainda tinha a percepção de que estaria mais próximo da mediana, ao invés dos 10% mais ricos.
Fomos verificar a evidência, e alguns ficaram
incrédulos. Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE, o rendimento médio mensal
de uma pessoa ocupada no Brasil é um pouco mais de R$ 3.000, e a mediana da
renda é inferior a R$ 1.500; ou seja, 50% da população ocupada tem renda mensal
inferior a R$ 1.500. Esses são os valores que descrevem a renda média de um
brasileiro e a renda que divide no meio a fila das pessoas ocupadas.
Já o rendimento médio domiciliar per capita,
que considera as pessoas que não trabalham, é de cerca de R$ 1.600. Os dados do
IBGE revelam ainda que o rendimento médio per capita dos 10% mais ricos no país
é de cerca R$ 8 mil. Minha impressão é que todos no ambiente em que estava
pertenciam aos 10% mais ricos do país.
De fato, a pesquisa elaborada pela Oxfam
Brasil, com uma amostra maior do que o grupo de amigos com quem conversava,
revela uma tendência semelhante. Enquanto cerca de 20% dos brasileiros se veem
exatamente na mediana da distribuição, quase ninguém se coloca perto do topo da
hierarquia.
Percepção de que “os ricos são sempre os
outros” tem profundas implicações para as políticas redistributivas
É sabido que a renda reportada na Pnad
Contínua mensura de forma mais precisa a renda do trabalho e da aposentadoria,
subestimando o rendimento do capital, lucros e dividendos. Isso acaba por
subestimar ainda mais a renda das pessoas mais ricas, dado que a distribuição
do capital é altamente concentrada.
Um dos amigos do grupo argumentou que a base
de comparação não estava correta, pois deveríamos considerar apenas as pessoas
que declaram o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), que seriam as “pessoas
produtivas” no país.
Em 2022, 38,4 milhões de brasileiros fizeram
a declaração do imposto de renda, o que representa 35,6% da População
Economicamente Ativa. Assim, a grande maioria desse grupo, que ganha abaixo de
R$ 28 mil ao ano ou trabalha no setor informal, não fez a declaração do imposto
de renda.
De acordo com o relatório sobre a
distribuição pessoal da renda e da riqueza da população brasileira, utilizando
as informações da declaração do IRPF divulgadas pela Receita Federal em 2023, a
renda mensal média bruta foi de R$ 10.209 em 2022. Segundo Pedro Humberto de
Carvalho Junior, pesquisador do IPEA, os 10% mais ricos no Brasil têm uma renda
mensal bruta de R$ 14 mil. Alguns amigos do grupo continuaram descrentes das
evidências reportadas.
O Brasil apresenta uma distribuição de renda
extremamente desigual, uma vez que os 10% mais ricos se apropriam de 51,5% da
renda total do país. Talvez isso explique a discrepância entre a percepção e a
realidade do ordenamento da renda das pessoas. Os grupos de referência e as
aspirações mudam de acordo com as faixas de renda das pessoas.
Além disso, nosso sistema de tributação da
renda não é totalmente progressivo, ou seja, não necessariamente os ricos pagam
uma maior proporção de seus ganhos em tributos do que indivíduos que são
relativamente mais pobres.
Em 2022, a alíquota efetiva do IRPF
iniciou-se em zero nos centis de menor renda e apresentou uma elevação
progressiva até o centil 93, que contribuiu com 11% de sua renda tributável. No
entanto, a partir desse centil, há uma mudança de direção, marcando o início de
uma queda na alíquota efetiva, atingindo apenas 4,2% no centil 100.
Dessa forma, pode-se afirmar que,
considerando a alíquota efetiva, o IRPF em 2022 foi progressivo conforme a
renda até o centil 93, porém regressivo no topo da distribuição, para os 6%
mais ricos. Em 2022, os 1% mais ricos pagaram uma alíquota efetiva muito
próxima àquela paga pelos declarantes que se situaram próximos ao centil 60 e
inferior àquelas das pessoas que estão no centil 60-93%. A explicação para a
menor alíquota dos 6% mais ricos no país está na maior participação da Renda
com Tributação Exclusiva/Definitiva, como ganhos de capital, lucros e
dividendos.
Além disso, pelo lado das despesas, a
proporção com deduções do IRPF foi progressiva. Nos centis inferiores, as
despesas dedutíveis declaradas foram próximas a zero, ao passo que os centis de
maior renda concentraram a maioria das deduções. Os 10% mais ricos responderam
por 41,6% do total de deduções.
Portanto, o nosso sistema está longe de
tributar progressivamente o rendimento das pessoas. A percepção de que “os
ricos são sempre os outros” tem profundas implicações para as políticas
redistributivas.
Segundo pesquisa da Oxfam Brasil, 86% dos
brasileiros afirmam que o progresso no país está condicionado à redução da
desigualdade entre pobres e ricos, e 84% das pessoas concordam com o aumento
dos impostos para as pessoas mais ricas para financiar políticas sociais.
Entretanto, apenas 56% aprovam um aumento dos impostos para todos no país para
financiar políticas sociais.
Queremos acompanhar os Jonases na renda e
também nos impostos.
*Tiago Cavalcanti é professor de economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.
Um comentário:
Excelente! Demonstra didaticamente a diferença que temos na análise da renda dos brasileiros conforme o tipo de base de dados considerada. O IBGE parece realmente menos confiável, já que não há qualquer controle sobre a veracidade das informações prestadas pelos cidadãos, mas os dados do Imposto de Renda são pouco representativos, pois a maioria da população não é obrigada a declarar.
Ou seja, há muito ainda a fazer para melhorar a distribuição da renda dos brasileiros, inclusive desenvolver bases de dados mais confiáveis e representativas, que possam servir de apoio a políticas mais eficientes e que reduzam a tremenda desigualdade econômica no Brasil, certamente uma das maiores e mais escandalosas do mundo.
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