quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Vera Magalhães - Ministro chama Lula para mediar conflito

O Globo

Ministro sabe que enfrentará tormenta maior em 2024 que no primeiro ano de mandato

Demorou um ano para que Fernando Haddad reagisse publicamente a uma campanha persistente do PT de confrontação da política econômica e fiscal. Quando o fez, o ministro da Fazenda claramente instou o presidente Lula a ser mais proativo na mediação desse conflito. Por que logo agora? Porque Haddad sabe que o mar que enfrentará em 2024 será mais tormentoso que no primeiro ano do mandato.

Sem PEC da Transição, com uma meta fiscal bem mais apertada e a folhinha indicando o mês de março logo ali, o ministro anteviu que o primeiro trimestre seria uma fustigação sem trégua de sua agenda por parte do próprio partido. A resolução do Diretório Nacional do PT que chama a política fiscal de “austericídio” foi a confirmação do que estaria por vir. Os embates com a Casa Civil ao longo de 2023 também foram um prenúncio de que, no ano dois, a pressão por gastos e pela ideia de um Estado indutor de crescimento econômico só cresceria.

O ministro decidiu falar agora porque o momento é de colheita dos resultados do primeiro ano. Mostra, assim, que não esperará para o sucesso de sua gestão ser reconhecido a posteriori, como destacou em relação à sua passagem pelo Ministério da Educação e pela Prefeitura de São Paulo — na disputa pela reeleição, em 2016, não foi ao segundo turno, mas algumas das políticas implementadas receberam prêmios internacionais e foram mantidas pelos sucessores, de oposição.

Resta saber se o presidente será ainda mais vocal ao arbitrar as disputas em favor de Haddad. Isso porque, a despeito de declarações fora de lugar, como aquelas em que relativizou ou até pareceu que implodiria a meta fiscal, na prática o presidente tomou o partido da Fazenda em todas as contendas do primeiro ano, mesmo sob risco de desgaste político com as bases, o PT e até o Congresso, no caso de vetos a projetos aprovados pelo Parlamento.

Portanto é arriscado da parte de Haddad cobrar publicamente que o fogo amigo do PT precisa parar ou que será preciso escolher entre as visões de país da Fazenda e da Casa Civil, desde que o presidente esteja bem “informado”.

É sabido que Lula não gosta de ser cobrado publicamente, e, se tem algo que diferencia este mandato de seus anteriores, é a ausência de políticos e assessores com intimidade com ele a ponto de dizer com todas as letras que está agindo de forma equivocada. Haddad parece se valer da confiança estabelecida com Lula nos tempos da prisão — que ele faz questão de rememorar na entrevista, ao falar da necessidade de discutir a sucessão presidencial na eleição de 2030 — para ocupar esse espaço.

Na verdade, fez isso a portas fechadas ao longo do ano e assumiu muitos riscos ao sustentar que o caminho para retomar o crescimento seria o governo se mostrar confiável do ponto de vista da responsabilidade fiscal, justamente o ativo que o PT tenta dinamitar. Lula foi na dele, e no primeiro ano deu certo. Não há fórmula capaz de garantir que o resultado em termos de crescimento do PIB e queda da inflação se manterá em 2024, até porque o cenário externo e outros fatores que não estão na alçada da Fazenda podem interferir nos indicadores.

Isso só aumentará a pressão sobre Haddad, e a característica de Lula diante de cenários assim incertos, ainda mais com pesquisas de popularidade não tão satisfatórias, é sempre deixar correr solta a divergência, para só na reta final apontar para onde vai.

São muitos os fronts de batalha para além das escaramuças com o PT. A primeira tarefa de Haddad será convencer o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a não devolver a Medida Provisória que sustou a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia. Pacheco parece ter adotado um tom mais conciliador, ao anunciar que só decidirá depois dos atos alusivos ao 8 de Janeiro. Hora de gastar mais saliva.

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